A GRANDE COMISSÃO



               Consumada a obra da redenção do seu povo; concluídos os quarenta dias em que permaneceu com os seus discípulos dando-lhes instruções concernentes ao reino de Deus; chegada a hora de retornar, glorioso, ao Pai, o Senhor Jesus Cristo deu uma ordem aos seus discípulos, que ficou, pelos séculos afora, conhecida como a Grande Comissão: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16.5,16).
               Grande Comissão essa que é extensiva a todos os cristãos de todos os tempos; a todos os que efetivamente foram alcançados pela graça salvadora que reside no coração do evangelho, e não apenas a um agrupamento seleto de seguidores do Filho de Deus. A Grande Comissão constitui-se num dos propósitos mais solenes da vida da igreja de Jesus Cristo em sua peregrinação terrena, sendo os outros a adoração ao Deus único, vivo e verdadeiro, que em Cristo Jesus revelou-se de modo superlativamente especial. A educação dos povos por meio do ensino fiel da Palavra de Deus e, de igual modo, a prática amorosa do misericordioso serviço cristão.
               É nosso objetivo nesta meditação, examinar, mais detidamente, alguns aspectos conceituais que nuclearizam o mandamento do Senhor para os seus discípulos. O primeiro ponto é que nós não estamos diante de uma mera sugestão dada por Jesus Cristo, diante da qual os seus servos podem reagir de maneira positiva ou negativa, acatando-a ou ignorando-a, de conformidade com a conveniente interpretação que cada um queira dar às palavras do Mestre. Nada disso.
               Estamos em face de uma ordem, uma clara e insofismável determinação da segunda pessoa da santíssima Trindade, diante da qual a melhor e única atitude a ser tomada é a mesma empreendida pelo jovem profeta Samuel, o qual, ao ser visitado por Deus numa sobrenatural visão, respondeu: “Fala, porque o teu servo ouve” (1 Samuel 3.10b). E não somente ouviu o que Deus lhe falou como foi obediente às ordens recebidas, no exercício do seu ministério.
               Passemos, agora, à abordagem dos aspectos maio estritamente lingüísticos do texto em apreço. Considerando que o mandamento primacial contido no texto é o de pregar, os exegetas das Escrituras Sagradas são unânimes em afirmar que o modo verbal mais harmonizado com as reais palavras proferidas por Jesus Cristo é o que se inclina para o gerúndio: indo, e não ide.
               A ideia seria mais ou menos a seguinte: indo pelo caminho, preguem o evangelho a todas as criaturas que encontrarem. A distinção não se esgota apenas nos meandros de sutilezas gramaticais aparentemente desimportantes, mas radica num traço semântico revelador de um detalhe mais profundo. O indo pressupõe uma atividade contínua, nunca interrompida, em todo o tempo executada.
               Na realidade, o que se pontua aqui é que a igreja de Jesus Cristo, em toda a sua trajetória, nunca pode desconectar-se da sua missão indeclinável de proclamadora da pessoa e da obra de Jesus Cristo; de quem ele é e do que ele fez no calvário para salvar pecadores e reconciliá-los com Deus.
               Igreja e pregação do evangelho são realidades indissociáveis, inseparáveis. Pressupor a existência de uma igreja que não é missionária, no limite, configura-se numa absoluta contradição de termos. O modelo mais paradigmático de uma igreja compreendedora da sua intransferível missão de anunciar a obra redentora do Filho de Deus é o que nos é descrito pelo médico-historiador Lucas, no livro de Atos dos Apóstolos.
               Vê-se ali que, depois das perseguições que lhe sobrevieram, a igreja saiu por toda a parte anunciando os feitos redentivos do Filho de Deus. “Indo por todo o mundo”. O mundo é o campo missionário da igreja. Não há um só recanto da terra que não careça da pregação do evangelho. De maneira peremptória, a Escritura sentencia: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Assim, se todos pecaram, todos carecem de salvação. E é por meio da pregação do evangelho que o pecador toma conhecimento da sua miséria, da sua completa falência moral e espiritual e, de igual modo, da grande salvação somente encontrável na pessoa de Jesus Cristo.
               “Indo por todo o mundo pregai o evangelho”. Pregar o evangelho, eis a indesviável tarefa da igreja. Pregar significa anunciar todo o conselho de Deus. Contar, com fidelidade escriturística, o que Cristo fez no calvário. De pronto, vê-se que a pregação é cristocêntrica, não antropocêntrica. Deve ser centrada em Deus, no que ele, na pessoa do seu Filho, realizou na cruz; não no que ele fez em mim de modo existencial, dando-me isto, aquilo e aquilo outro, de preferência benesses materiais.
               É por essa razão que devemos ter muito cuidado com a extravagância sensacionalista de certos testemunhos que falam de tudo e de todos, menos da única verdade que deve permanentemente ser enfatizada: o que Jesus Cristo fez no calvário para redimir as ovelhas que lhe foram entregues pelo Pai antes da fundação do mundo. É óbvio que o que Cristo fez na cruz tem implicações na vida de quem pelo seu evangelho é alcançado. É óbvio que quando o Espírito Santo aplica em nossos corações a obra poderosa de Jesus Cristo, nós experimentamos um processo de transformação que, crescentemente, vai-nos assemelhando ao Filho de Deus, até aquele dia em que, glorificados, na eternidade, estaremos, para sempre, livres do mais ele vestígio do pecado. O ponto central que queremos evidenciar a respeito do caráter essencial da pregação é mostrar que ela deve ser objetiva, não subjetiva; focada na realidade exterior do que Cristo fez, não no intimismo interior daquilo que sentimos, pensamos e, a todo o custo, queremos verbalizar.
               Quando pensamos com mais rigor teológico nas palavras de Jesus presentes na Grande Comissão, ficamos com a nítida convicção de que muito do que se tem chamado, hoje, de pregação do evangelho, de evangelho pregado não tem absolutamente nada. Chamar as pessoas para Deus, prometendo-lhes saúde perfeita e perdurável, opulentos bens materiais e muito dinheiro na conta bancária, não é pregar evangelho, de forma alguma. É, isto sim, praticar abominável estelionato espiritual e promover charlatanismo irresponsável e pecaminoso, crime de lesa consciência da pior espécie. E, no limite, dar às pessoas, não a sólida esperança da vida eterna que procede de Deus e da sua graça, mas, sim, inúteis ilusões, emergidas das mentes teologicamente enfermas e dos corações interesseiros de pregadores falsos, os quais vão ter de prestar contas a Deus pela corrupção doutrinária que difundiram e pelos imensos males que causaram nas vidas das pessoas que se deixaram envenenar por tais (des)ensinamentos.
               Precisamos, pois, a fim de pregarmos corretamente o evangelho, conhecê-lo com profundidade. E, para conhecê-lo verticalmente, precisamos fazer da leitura da Palavra de Deus, e da sua meditação detida, um exercício de disciplina espiritual a ser diligentemente cultivado. Desse modo, estaremos agindo como quem verdadeiramente ama a Deus e tem grande apreço por sua santa Lei. Por fim, a pregação do evangelho tem implicações extremamente sérias para a vida do ser humano: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”.
               Primariamente, a pregação do evangelho deve ter como indisputável alvo a proclamação da glória de um Deus santo e justo que, tendo sido ultrajado pela cósmica e iníqua rebelião das suas criaturas, providenciou para elas, graciosa e amorosamente, uma eterna salvação, radicada na pessoa e na obra de Jesus Cristo na cruz do calvário.
               A pregação verdadeira anuncia ao homem o seu pecado, culpa e conseqüente condenação. De igual modo, ao mesmo tempo em que o confronta, expondo-lhe a deplorável situação em que se encontra, a pregação do evangelho o exorta ao arrependimento, a uma confissão de pecados e a um lançar-se aos pés de Jesus Cristo, crendo nele como único e suficiente salvador.
               Como se pode ver, à luz do que nos é ensinado pela Palavra de Deus, a pregação do evangelho, intocável coração da Grande Comissão estabelecida por Jesus Cristo, é uma tarefa extremamente séria, portadora de relevância eterna. A vida e a morte, o céu e o inferno, a bem-aventurança eterna e danação sem fim acham-se indeslindavelmente presentes na pregação do evangelho realizada em harmonia com as Escrituras Sagradas.
               Por isso, pregar evangelho não é falar de si mesmo. Não é contar piadas. Não é levar as pessoas a um sorriso de autocomplacência. Não é destilar otimismo em gotas, nem muito menos oferecer, regiamente pago, um Jesus mercadológico, permanentemente disposto a satisfazer os caprichos egoísticos de uma geração de pecadores exigentes e de crentes mimados e cheios de vontade e de supostos direitos. Jesus esse que, evidentemente, não é aquele que nos é revelado pelas Escrituras Sagradas.
               Pregar o evangelho significa, em perspectiva bem distinta, proclamar todo o conselho de um Deus santo, justo e amoroso, que, para a sua própria glória, resolveu sacrificar-se a si mesmo, na pessoa do seu Filho amado, a fim de conceder o dom da vida eterna a todos aqueles a quem, livre e soberanamente, ele amou antes da fundação do mundo.
               Em face, pois, de verdades tão grandiosas, que nós não somente tenhamos uma clara e bíblica compreensão do que realmente significa a Grande Comissão ordenada por Jesus Cristo, como também haja em nós uma constante atitude de obediência ao seu santo conteúdo. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                                       JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                                       PRESBÍTERO

Fundamentos da Fe em Jesus Cristo


                              O S FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DA FÉ EM JESUS CRISTO
               Crer em Jesus Cristo é um conceito que tem ganhado, no território mais afeito ao senso comum, as mais diversas acepções semânticas, aparentemente inofensivas, mas, na realidade, padecedoras de uma grave inconveniência, a de não serem respaldadas pelas Escrituras Sagradas, regra única de fé e de prática do cristão, fonte infalível e suficiente da verdade absoluta que, graciosamente, Deus revelou ao homem a fim de que por mio dela ele conhecesse não apenas o estado espiritual em que se encontra, matizado por pecado e condenação, mas também a grande e eterna salvação que o Senhor nos oferece em Cristo Jesus, Salvador e Senhor nosso.
               Para muitos, expressiva parte da humanidade, crer em Jesus Cristo significa admitir, vaga, histórica e convencionalmente, que Ele existe, criou todas as coisas existentes e habita alguma galáxia distante do planeta terra, de onde governa todas as coisas. Para outros, crer em Jesus Cristo significa acreditar que Ele tem poder para interferir na vida das pessoas, de preferência para dar solução a todos os problemas existenciais que as afligem.
               Para os que se encontram com as suas contas no vermelho, Jesus Cristo se afigura como o mais abalizado economista. Para os que se sentem demasiadamente incomodados com a solidão afetiva, Jesus Cristo se credencia como um inexcedível consultor sentimental. Para os que são alcançados por súbitas e insanáveis enfermidades, Jesus Cristo é um eficaz curandeiro, com disponibilidade de atendimento vinte e quatro horas por dia.
               Na mente e coração de muitas pessoas, impregnadas todas elas de acendrado sentimento religioso, essas são algumas das compreensões exibidas acerca do que julgam e presumem ser o ato de crer em Jesus Cristo, o sublime e glorioso Filho de Deus. O coração do homem, contudo, conforme o inspirado dizer do profeta Jeremias, “é enganoso e desesperadamente corrupto” (Jeremias 17.9a), daí a imperiosa e indescartável necessidade que ele tem de compatibilizar, permanentemente, o seu pensar/sentir/agir, não com os (anti)valores corrompidos que infestam todas as dimensões constitutivas da sua natureza, mas sim com as Escrituras Sagradas, nas quais encontramos sólida e santa orientação para todas as áreas configuradoras da vida humana.
               Assim, caso verdadeiramente queiramos ser instruídos a respeito do que significa crer em Jesus Cristo, é somente na Palavra de Deus, em cujo centro Jesus pontifica como a personagem mais sublime e relevante, que podemos deslindar tal verdade. Dado que o ser humano em sua integralidade se constitui de dimensões afetivas, intelectivas e volitivas, o ato de crer em Jesus Cristo, de conformidade com a Escritura Sagrada, passa por cada uma delas.
               Desse modo, crer em Jesus Cristo pressupõe um entendimento correto acerca de quem Ele é; uma confiança inteiramente depositada em sua pessoa e na obra expiatória por Ele consumada no calvário, proveniente de um coração liberto e desejoso de em Cristo Jesus depositar toda a confiança no tocante à salvação; e, por fim, uma vinculação de todos os sentimentos e afeições a Cristo Jesus, aquecidos por um relacionamento vivo, dinâmico e profundo com Aquele que nos amou a ponto de entregar a sua vida em favor do resgate das nossas pobres e pecadoras almas.
               Pontua-se aqui, de modo indelével, o crer em Jesus Cristo como a expressão de uma convivência inseparável com o Salvador, adubada pela fé, que é um dom da graça, e norteada pela Escritura Sagrada. Vê-se, portanto, que a verdadeira crença em Jesus Cristo deve operacionalizar-se nos estritos termos demarcados pela Palavra de Deus. Assim, é necessário que o homem saiba quem é Jesus Cristo. Pela Escritura Sagrada, aprendemos que Jesus Cristo é Deus; que, desde toda a eternidade, numa cronologia inapreensível pela finita mente humana, Ele sempre habitou com a Trindade, desfrutando, na corte celestial, da glória somente a Ele devida. Aprendemos, de igual modo, que, voluntariamente, por obediência ao Pai e sacrificial amor por seu povo, Ele aceitou a humilhação de se fazer carne; vir a este mundo amaldiçoado pela presença do pecado; ser alvo de todos os escárnios e ignomínias dos pecadores; e, por fim, morrer numa cruz de horrores e ressuscitar ao terceiro dia, a fim de conceder vida eterna a todos os que, atraídos eficazmente por seu Santo Espírito, são convencidos dos seus pecados, levados ao arrependimento e, ato contínuo, à fé salvadora que os une, para sempre, ao bendito Filho de Deus.
               Em suma: crer em Cristo Jesus significa conhecê-lo de perto e profundamente. Conhecimento esse que, transcendendo em muito a perspectiva meramente intelectual, radica, conforme sinaliza Geehardus Vos em sua exponencial Teologia Bíblica, “na realidade de alguma coisa estar interligada com a experiência íntima de vida”.
               Diante, pois, dessas verdades cristalinamente reveladas pela Palavra de Deus, alguns questionamentos da mais alta seriedade e urgência, inevitavelmente, afloram tanto à consciência do redator desta meditação quanto à dos que a lerem. Já cremos genuinamente em Jesus Cristo? Já O conhecemos do modo como Ele se revelou nas Escrituras Sagradas ou, ao contrário, temos firmado as nossas bases de fé na areia e fumaça de cristo falsos e desamparados da chancela da Palavra de Deus? Já abandonamos de uma vez por todas a fútil e pecaminosa crença de podermos ser aceitos por Deus por meio dos trapos imundos das nossas corrompidas obras? Já nos convencemos da imprestabilidade da nossa religiosidade vincada em meras tradições? Já passamos mesmo a confiar unicamente no Filho de Deus como Aquele que, por meio da vida santa, da morte substitutiva e ressurreição histórica, visível e corporal, conquistou para nós a justificação, a redenção, a reconciliação, enfim, a graça da vida eterna?Que Deus, pela instrução da sua Palavra e pela ação iluminadora do seu Santo Espírito, nos faça, uma vez mais, compreender o que significa crer em Cristo Jesus. Que haja em cada um de nós a renovada alegria da salvação, sinal superlativamente evidenciador de um coração perdoado e galardoado pelo bem maior: Jesus Cristo. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                                                      JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                                                      PRESBÍTERO
               

A criação restaurada base biblica cosmovisão reformada


                                                               A CRIAÇÃO RESTAURADA
                A Criação Restaurada – base bíblica para uma cosmovisão reformada (Editora Cultura Cristã-SP-2006), de autoria do teólogo Albert M. Wolters, professor associado de Religião e Teologia/Línguas clássicas no Redeemer College, em Hamilton, Ontario, é um livro extremamente precioso e útil para quem anela compreender as Escrituras Sagradas como a grande metanarrativa de Deus; a superlativa história da sua graciosa Revelação ao homem, na qual vislumbramos a criação de todas as coisas, emanada do poder onipotente do Senhor; o registro trágico da queda do homem e as profundas conseqüências nela implicadas e, por fim, a narrativa grandiosa da redenção, cujo escopo indesviável é restaurar todas as coisas por meio da perfeita e eficaz obra expiatória que Jesus Cristo realizou na cruz do calvário, ao morrer e ressuscitar, glorioso, ao terceiro dia, recebendo do Pai a completa chancela por tão magnífico sacrifício.
                Escrito numa linguagem simples e exemplarmente didática, acumpliciada a uma admirável fidelidade às Escrituras Sagradas, o livro do aludido teólogo, de fato, fornece as bases inamovíveis para o cristão que, vivendo no interior do relativista mundo forjado pela filosofia pós-moderna, caracterizada pela irracionalista negação de todas as normas e valores que se pretendem absolutos, intenta construir e desenvolver uma cosmovisão que tenha em Deus e na sua inspirada e suficiente Palavra, a sua baliza e parâmetro inafastável.
                De modo objetivo, à luz da abordagem empreendida por Albert M. Wolters, pode-se definir cosmovisão como “a estrutura compreensiva da crença de uma pessoa sobre as coisas”. Dissecando os termos dessa conceituação daquilo que se pode entender como cosmovisão, o autor afirma que a palavra coisas, para não cair no campo semântico do demasiadamente vago e inconsistente, abrange, praticamente, todos os componentes imanentes à vida humana: a educação, a cultura, as artes, as relações familiares, o lazer, a política, o trabalho, o sofrimento, a morte, enfim, tudo o que se relaciona ao homem em sua existência terrena. Afirma, de igual modo, “que uma cosmovisão diz respeito às crenças de uma pessoa”. Crenças essas que, ultrapassando o território mais subjetivo de meras percepções subjetivas, ancoram-se no campo da epistemologia, de uma estrutura cognitiva mais fundamentada. Em suma: tais crenças fundamentam as convicções mais profundas que alguém nutre sobre a vida em geral. Arremata o autor, asseverando que “é importante observar que as visões de mundo se referem às crenças básicas sobre as coisas”.
                Assim, no caso específico do cristão, cuja vida foi salva pela ação graciosa da Trindade: do Deus Pai, elegendo; do Deus Filho, redimindo; e do Deus Espírito Santo, regenerando, a cosmovisão a ser sustentada por ele deve ter como paradigma seguro a Palavra de Deus, Revelação não exaustiva, mas suficiente, que Deus fez de Si mesmo, dando-nos dEle mesmo o conhecimento necessário para podermos saber quem Ele é; conhecer o seus grandes feitos redentivos na história; e, desse modo, podermos adorá-Lo na inexcedível beleza da sua santidade, fazendo-o de conformidade com as prescrições escriturísticas por Ele estabelecidas.
                A esse respeito, são mais que elucidativas as palavras de Albert M. Wolters quando indaga: “Qual é, então, a relação entre cosmovisão e Escritura? A resposta cristã a essa pergunta é clara: a nossa cosmovisão deve ser moldada e testada pelas Escrituras. Ela só pode legitimamente orientar a nossa vida se for baseada nas Escrituras. Isso significa que na questão da cosmovisão há um abismo significativo entre aqueles que aceitam a Escritura como Palavra de Deus e aqueles que não a aceitam como tal. Também significa que os cristãos devem constantemente checar a sua cosmovisão à luz das Escrituras, porque a falha em fazer isso produz uma inclinação poderosa de apropriação das crenças, mesmo das básicas, de uma cultura que tem se secularizado a uma velocidade tremenda por gerações”.
                Ora, se carecemos de conformar, permanentemente, a nossa cosmovisão com a Palavra de Deus, devemos lê-la diariamente, meditar nela com vagar e deleite, saturar a nossa mente com o seu elevado padrão de beleza e santidade, nutrir a nossa alma com o Pão Vivo que desceu do céu (Cristo Jesus), pois, é somente desse modo que poderemos experimentar a graça de não nos conformarmos com este mundo, antes nos transformarmos por meio da renovação do nosso entendimento, de acordo com a exortação inspirada que emanou do apóstolo Paulo em sua monumental Epístola aos Romanos.
                Quando a Palavra de Deus vai sendo escamoteada da nossa vida, deixando de ser verdadeiramente “lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho” (Salmo 119.105), então, inevitavelmente, nossa cosmovisão mundaniza-se, e os efeitos espirituais desse desvio sobre a nossa vida, em todas as áreas, passam a ser desastrosos: tornamo-nos frios, negligentes, inconsistentes, relativistas e pouco ou quase nada bíblicos.
                Um conceito-chave desenvolvido por Albert M. Wolters, em suas reflexões sobre uma cosmovisão de matiz reformado, é o que pressupõe a noção anteriormente referida como metanarrativa. Uma metanarrativa é uma “narrativa abrangente que explica todas as outras narrativas”, como pontua R. Albert Mohler Jr, em seu excelente livro Deus não está em silêncio-pregando em um mundo pós-moderno - brilhante e apaixonada defesa da pregação expositiva, a única que expõe, exegético-constextualmente, “todo o conselho de Deus”, aos homens que dele necessitam, não somente para serem salvos, mas também para viverem de um modo que glorifique a Deus.
                A metanarrativa pressupõe uma grande história, uma grande relato, que tem a pretensão inescondível de abarcar uma dada realidade da forma mais totalizadora possível. A Pós-Modernidade, de acordo com um dos seus grandes teóricos e intérpretes, o filósofo francês Jean François Lyotard, pode ser encarada como uma nítida demonstração de incredulidade para com as metanarrativas, dado que ela se essencializa, paradoxalmente, pela negação dos conceitos de centralidade, fundamentalidade e universalidade.
                O Cristianismo é a metanarrativa das metanarrativas, pois a história que ele conta abrange todas as outras histórias e encara a vida não como um amontoado de acontecimentos desconexos e destituídos de Teleologia, mas, sim, como um projeto sábio e santo de um Deus, o único Deus vivo e verdadeiro, eternamente existente em três pessoas, que criou todas as coisas para o supremo, merecido e justo louvor da sua glória.
                A fim de desenvolvermos uma cosmovisão bíblico-reformada, temos de entender a metanarrativa bíblica como sendo constituída de momentos capitais: a criação, a queda, a redenção e a consumação final radicada na própria redenção. Como acentua o teólogo R. Albert Mohler, Jr, no livro já aludido, “toda cosmovisão, toda metanarrativa tem um começo. Se temos de dizer algo significativo a respeito do mundo e para onde ele está indo, precisamos antes saber como ele começou”.
                Com a cosmovisão cristã, a realidade não se processa de modo distinto. Diferentemente da cosmovisão naturalista, para a qual o mundo e a vida nele presente não transcendem a condição de um acidente cósmico inteiramente impessoal, mecânico e sem transcendência, a cosmovisão bíblica assegura-nos que “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1.1a). Assegura-nos, de igual maneira, que o homem e a mulher não são fruto de uma evolução de formas primitivas até o atingimento da dimensão superior da consciência, mas, sim, resultado da vontade santa e graciosa do Criador que os fez à sua imagem e semelhança, concedendo-lhes uma inalienável dignidade. De acordo com a cosmovisão bíblica, o homem e a mulher foram criados com o mais sublime dos propósitos: glorificar a Deus e gozá-lo para sempre, como nos ensina o Breve Catecismo em sua pergunta prolegumenar.
                O segundo patamar inerente à cosmovisão bíblico-reformada é o que assevera que, tendo sido criado livre, perfeito, mas mutável, e responsável moralmente por suas decisões, o homem pecou, caiu, quebrou o mandamento do Senhor, transgrediu a aliança firmada pelo Altíssimo e, corolário desta trágica decisão, tornou-se culpado diante de Deus e portador, desde a sua concepção, de uma natureza corrupta, depravada, em toda a extensão do seu ser.
                Nesse sentido, na cosmovisão bíblico-reformada, a queda não foi um simples deslize moral, um senão ético desimportante, mas, sim, um abominável ato de rebelião do homem contra o seu Criador, cujos efeitos, sinaliza Albert M. Wolters, “tocaram toda a criação”, arruinando-a e enchendo-a de dor, sofrimento, pecado e morte. A cosmovisão bíblico-reformada, de Gênesis a Apocalipse, acentua o caráter de corrupção moral e espiritual de que se impregnou toda a criação depois da queda dos nossos primeiros, Adão e Eva.
                O relato do Livro de Gênesis acerca da queda humana é sobremaneira elucidativo. Antes vivendo em harmonia perfeita com o Criador, depois da queda o homem sente culpa, vergonha, medo e, ato contínuo, passa a viver em litígio contra Deus, de quem procura esconder-se, tão logo ouve a sua voz ecoar na viração do dia; em litígio contra si mesmo, pois a Escritura declara que ele é mau desde a meninice; em litígio contra o próximo, pois não demorou muito e o primeiro homicídio encheu a terra com o sangue do ódio e da inveja: Caim matou Abel. Em litígio contra a terra, que deixa de ser um paraíso para produzir, em suas entranhas, cardos e abrolhos, tornando-se hostil ao homem, ao negar-lhe os seus frutos.
                Por último, a cosmovisão bíblico-reformada aponta para a redenção de Deus operada na pessoa do seu Filho Jesus Cristo. Albert M. Wolters afirma “que a redenção obtida por Jesus Cristo é cósmica no sentido em que restaura toda a criação”. Para o autor em foco, a redenção pressupõe, fundamentalmente, a restauração de tudo quanto foi criado por Deus e visto como muito bom. A ideia, aqui, não é “que Deus rejeita a sua primeira criação e, em Jesus Cristo, faz uma nova”, mas, sim, que “ele persiste na sua criação original caída e salva”. “Utilizando a linguagem tradicional da teologia, a graça não traz donum superadditum à natureza, um dom acrescentado no auge da criação; antes, a graça restaura a natureza, tornando-a íntegra novamente”.
                Essa maravilhosa redenção já efetuada pelo Filho de Deus no calvário, e da qual experimentamos, aqui/agora, efeitos grandiosos, é apenas um prelúdio da plenitude de vida que espera os salvos na eternidade, quando tristeza, sofrimento, iniquidade e morte serão definitivamente banidos, dos nossos olhos toda lágrima será enxugada e, em seu lugar, somente haverá alegria e paz no Santo Espírito de Deus.
                Concluindo essas considerações sobre o precioso livro de Albert M. Wolters, podemos dizer que o seu cerne argumentativo radica no fato de o conceito de cosmovisão bíblico-reformada atingir toda a esfera da vida do cristão, seu sentir/pensar/agir no exercício cotidiano de todas as interações que ele empreende com a realidade na qual está inserido. Abraham Kuyper, teólogo reformado holandês, no seu clássico livro Calvinismo, afirma que não há nenhum recanto do universo que o Filho de Deus não declare: “é meu”, reivindicando, desse modo, a indisputável prerrogativa do seu senhorio.
                Como dissemos no início deste artigo, A Criação Restaurada é um ótimo livro, didático, bem escrito e, sobretudo, rigorosamente bíblico em suas formulações teológico-doutrinárias, propiciando a quem o lê com atenção, de fato, bases sólidas para o cultivo de uma cosmovisão reformada. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                              JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                              PRESBÍTERO

Perigos que vem da cabana.


                        A ESTRANHA TEOLOGIA DO LIVRO A CABANA                               
            É fato incontestável que a igreja evangélica brasileira vive, hoje, uma profunda crise doutrinária, ética e litúrgica, crise essa que se tem espraiado por todos os campos do seu ser/fazer cotidiano. Uma das razões dessa crise, na verdade o seu fundamento primacial, radica num crescente afastamento da Palavra de Deus e, ato contínuo, num conseqüente abandono do seu caráter normativo e autoritativo para todas as esferas do nosso viver.
            O princípio de que a Bíblia Sagrada é a nossa regra única de fé e de prática há muito se tem convertido numa mera retórica conservadora, num discurso ortodoxo na aparência, mas com poucas implicações para a realidade do dia a dia, notadamente a que diz respeito ao culto que somos chamados a prestar ao nosso Deus. Profetas, apóstolos, paipóstolos, entre outras nomenclaturas bem consentâneas com a explosão mística dos nossos dias, em muito têm tomado o lugar das Escrituras Sagradas, levando a igreja de Cristo ao abismo dos falsos ensinamentos, dos outros evangelhos desamparados da bênção e da chancela de Deus.
            Uma das maiores evidências do quanto segmentos avolumados de cristãos têm abraçado consumadas heresias é o enorme sucesso que entre os evangélicos brasileiros tem feito o livro, A Cabana, de autoria do escritor americano William P. Young, publicado pela Editora Sextante, pródiga na publicação de livros como: Palavras de sabedoria de Sua Santidade, o Dalai-Lama, Você é insubstituível, Dez leis para ser feliz, Nunca desista dos seus sonhos, de autoria de Augusto Cury, dentre outros que têm engrossado as fileiras da autoajuda e do humanismo triunfante dos nossos dias.
            Faltos de entendimento bíblico e completamente desassistidos da mínima dose de discernimento espiritual, alguns pastores, presbíteros, professores de escola bíblica dominical e líderes da igreja de um modo geral não têm poupado elogios ao livro, A Cabana, reputando-o uma verdadeira bênção, digna de ser apreciada pelo maior número de irmãos.
            Será mesmo uma bênção o livro de William P. Young? Para os que o etiquetam desse modo, ele não passa de uma criativa obra de ficção elaborada para nos falar de um Deus que nos ama e tudo fará a fim de nos ver e fazer plenamente felizes. Contudo, estamos diante de uma ficção veiculadora de uma série de concepções teológicas que destoam flagrantemente da revelação que Deus faz de si mesmo nas Escrituras Sagradas.
            Mack Aleens, esse é o nome do protagonista do romance, durante uma viagem que tinha tudo para se constituir apenas num momento de grande satisfação e divertimento, sofre um grande e inesperado abalo: o misterioso desaparecimento de Missy, sua filha mais nova. Após promover uma obstinada busca pelo paradeiro de Missy, Mack se dá conta de que ela foi assassinada por um maníaco cruel. Mergulhado num estado de espírito caracterizado por uma Grande Tristeza, Mack passa a cultivar um doído sentimento de mágoa e revolta contra Deus, culpando-o pela terrível tragédia que se abateu sobre ele e sua família.
            Um certo dia, enigmaticamente, ele recebe um misterioso bilhete assinado pelo próprio Deus, convidando-o a comparecer a uma cabana abandonada para um encontro que vai mudar completamente a sua existência: um encontro com Deus. Ao chegar a essa cabana, onde anteriormente tinha se deparado com o vestido ensanguentado de sua filhinha, Mack se encontra com aquela que se apresenta a ele como sendo a trindade, com a qual passa a interagir, e de quem recebe as respostas existenciais que vão ao encontro das suas profundas inquietações existenciais interiores.
            Como se pode perceber, o livro trata de uma questão que mexe bastante com a sensibilidade das pessoas: o sofrimento, daí a razão, presumo, de ele estar fazendo tanto sucesso. Sempre que está experimentando alguma modalidade mais intensa de sofrimento, o ser humano se fragiliza e, ato contínuo, torna-se muito mais vulnerável a qualquer tipo de explicação que se proponha a colocar um ponto final e esclarecedor em tão tormentosa questão.
            O problema é que, ao tentar dar respostas ao atribulado coração de Mack, o deus da Cabana se caricaturiza e se distancia, enormemente, do Deus que é revelado pelas Escrituras Sagradas. O Deus da Cabana é um mero contemplador da existência humana. Ele não é o Deus soberano da Bíblia Sagrada, o qual, antes da fundação do mundo, preordenou todas as coisas que acontecem para a sua glória, inclusive o sofrimento, que humilha o homem e o faz reconhecer a sua tremenda pequenez e dependência do Criador.
            O deus da Cabana não tem nada a ver com as coisas que acontecem no universo, antes se surpreende com elas tanto quanto cada um de nós. O máximo que ele pode fazer é nos dar uma força para lidarmos com as situações adversas de modo tal que delas sejamos capazes de extrai as melhores lições possíveis. Esse deus, esculpido pela imaginação de William P. Young, é a imagem mais exata do deus inventado pelos teólogos do Teísmo Aberto, um deus que sabe sobre o futuro o mesmo que sabem as suas criaturas: nada.
            O deus da Cabana não é o Senhor absoluto do universo, a quem todos têm o dever de servir e prestar culto, mas sim o deus que, voluntariamente, abdica das suas indisputáveis prerrogativas e passa a viver unicamente para satisfazer o desejo de felicidade dos seres que criou. Na Cabana, o homem é o centro de todas as coisas. O deus da Cabana se dobra diante dos caprichos e insatisfações humanas e, ato contínuo, passa a lhes dar explicações acerca das coisas dolorosas que acontecem no mundo, embora deixe claro que não é responsável por nenhuma delas.
            Em direção diametralmente oposta, o Deus das Escrituras Sagradas faz todas as coisas de conformidade com o conselho da sua vontade, em consonância apenas com os decretos que, soberanamente, elaborou, antes da fundação do mundo. Porque Deus é Deus, Ele não presta conta dos seus atos a ninguém, nem a ninguém dá satisfação acerca do modo misterioso como administra a sua providência.
            Deus não deu ao apóstolo Paulo nenhuma explicação por que impôs ao seu servo o sofrimento de um espinho na carne, nem muito menos atendeu à súplica do apóstolo para que ele fosse removido, apenas lhe disse: “a minha graça te basta” (II Coríntios 12.9). Deus não deu a Jó nenhuma explicação por que permitiu que, debaixo da sua autoridade, Satanás ferisse com tantos flagelos o seu servo, que era piedoso, temente e se desviava do mal. Pelo contrário, Deus dirige a Jó, na parte final do livro, uma saraivada de perguntas absolutamente irrespondíveis, reveladoras do seu poder absoluto e da completa fragilidade e impotência humana.
            Confrontado com a infinitude de um Deus sábio e Todo-Poderoso, a Jó resta asseverar: “Bem sei que tudo podes e que nenhum dos teus planos pode ser impedido. Quem é este que sem conhecimento obscurece o conselho? De fato falei do que não entendia, coisas que me eram maravilhosas demais, e eu não compreendia. Por isso me desprezo e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.1,2,3,6). O cristianismo, em nenhum momento, se propõe a dar respostas definitivas acerca do sofrimento. Como afirma Alister McGrath : “Discutir o sofrimento sem fazer referência ao sofrimento de Cristo é um absurdo teológico e espiritual. Deus sofreu em Cristo. Ele sabe perfeitamente o que significa experimentar a dor. Ele percorreu a vereda do sofrimento, do abandono, da dor e da morte, a vereda do calvário. Deus não é um suposto herói de pés de barro, que exige o sofrimento alheio enquanto ele mesmo permanece distante do mundo dos que sofrem. Ele passou pela sombra do sofrimento. O Deus no qual os cristãos acreditam e esperam é um Deus que já experimentou o sofrimento e, por isso, é capaz de transfigurar o sofrimento do seu povo”.
            O deus da Cabana, como tão bem apraz aos teístas abertos, é um deus que tem no amor o seu atributo mais alto e quase indisputável, já que o seu amor é tão intenso que os seus demais atributos, a justiça, por exemplo, são sumariamente banidos. O amor do deus da Cabana, mais identificado com o idealismo sentimental dos românticos, não pune ninguém, mesmo porque a ninguém contempla como pecadores depravados e maus, mas sim como pessoas fracas, ignorantes, mas que, em essência, são consideradas portadoras de um bom coração.
            Tais pessoas carecem, de acordo com os postulados teológicos presentes na Cabana, não de uma transformação radical da sua natureza caída, não do sobrenatural milagre do novo nascimento, mas sim de um aprimoramento moral das suas enormes potencialidades, com as quais elas entrarão em contato através do imenso depósito de bondade que reside dentro delas. Em suma: a teologia exponenciada pelo deus revelado na Cabana não passa de antropologia disfarçada.
            O Deus das Escrituras Sagradas, adornado pela beleza multíplice de indescritíveis perfeições, é portador de variados atributos, os quais contracenam, em seu ser, de maneira rigorosamente equânime e simétrica. No ser de Deus, os atributos não conflitam, antes se exercitam na plenitude de admirável e estética harmonia. Assim, Deus é tão amoroso que envia o seu único Filho para morrer numa cruz maldita a fim de salvar pecadores indignos. Mas, de igual modo, é tão santo e justo que lançará no inferno todos os pecadores que se mantiverem rebeldes ao senhorio de Cristo em suas vidas, todos os que persistirem numa vida de amor à iniqüidade.
            O deus da Cabana, estribado apenas numa flácida e complacente concepção de amor, não passa de uma desfigurada caricatura do Deus único, vivo e verdadeiro da Bíblia Sagrada cujo amor é glorioso, exigente e inteiramente conectado com a inexcedível retidão e santidade do seu puríssimo caráter. O deus da Cabana fala ao homem completamente fora e à revelia da Palavra que Ele mesmo inspirou pelo seu Santo Espírito, dando margens a que a experiência subjetiva de cada pessoa se sobreponha ao caráter normativo das Escrituras Sagradas, regra única de fé e de prática da igreja do Senhor Jesus Cristo.
            A espiritualidade dita pós-moderna, dentro e fora dos arraiais evangélicos, tem priorizado, sobejamente, o subjetivismo de experiências místicas, valorizadoras mais dos sentimentos e das emoções do que aquilo que Deus afirma em sua Palavra. Não é outra a razão pela qual tanto se tem desprestigiado a doutrina bíblica em nossos dias, como se ela fosse um óbice a uma vida espiritual mais abundante.
            Há quem diga, pretextando sabedoria, que devemos pregar a Cristo, e não doutrina, como se a pessoa de Cristo e a doutrina de Cristo não fossem faces inseparáveis de uma mesma e indistinguível verdade. O Deus da Cabana, convém reiterar, embora aqui e acolá cite as Escrituras Sagradas, o faz de modo aleatório, assistemático, ignorando o caráter coeso e ordenado de toda a Revelação bíblica.
            O deus da Cabana é assumidamente proponente de uma salvação universalista, a qual, no final da história, alcançará a todos os homens, independentemente de eles terem crido em Cristo ou não. O deus da Cabana tem os seus escolhidos espalhados por todas as tradições religiosas do mundo, pouco importando se nelas Cristo é o centro norteador da fé ou não. O deus da Cabana é o paizão celestial que arranjará um lugarzinho no céu para todas as pessoas, sem que seja necessário que elas se arrependam dos seus pecados e depositem a sua confiança única e exclusivamente em Cristo Jesus. O deus da Cabana, como se pode ver, tem pouco ou nenhum compromisso com as Escrituras Sagradas.
            Estamos, pois, diante de um outro deus e, consequentemente, de um outro evangelho, inteiramente distinto daquele que encontramos nos sacrossantas páginas da Palavra de Deus. Além de todos esses desvios doutrinários, A Cabana ainda apresenta uma estranha concepção acerca da encarnação de Jesus Cristo, sugerindo que a humanidade do Verbo de Deus foi compartilhada pelo Pai e pelo Espírito Santo, contrariando, ostensivamente, o que sobre esse ponto teológico é ensinado pela Palavra de Deus.
            A bizarra trindade manifestada no livro, A Cabana, em muito se aproxima de uma concepção triteísta de Deus, como se a trindade fosse composta por três deuses, e não por um só Deus que subsiste eternamente em três gloriosas pessoas. A Cabana parece, de igual modo, sugerir que, na cruz do calvário, o Pai experimenta o sofrimento, ideia absolutamente estranha às Escrituras Sagradas, dado que é o Senhor Jesus Cristo quem sorve, até a última gota, o cálice da pavorosa ira de Deus, a fim de com o seu sacrifício redimir do poder da morte, do pecado e do diabo todos aqueles a quem o Pai, antes da fundação do mundo, escolheu para serem herdeiros de uma eterna e perfeita salvação.
            Enquanto o Deus das Escrituras Sagradas “é fogo consumidor” “e habita em  luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver” (Hebreus 12.29 e II Timóteo 6.16), e que, por isso mesmo, exige temor, solenidade e reverência de quem dEle se aproxima, o deus da Cabana é bonachão e praticante de uma camaradagem que roça a frivolidade.
            Decididamente, para quem tem um mínimo de conhecimento da Palavra de Deus e, mais do que isso, se submete, irreservadamente, à sua autoridade, não é possível considerar o romance, A Cabana, uma bênção. Não pode ser uma bênção o que, de forma gritante, se desarmoniza com a Palavra de Deus. Não pode ser uma bênção o que ensina algo que não tem a chancela das Escrituras Sagradas. Não pode ser uma bênção o que fere de morte o coração inviolável do evangelho.
            O impressionante sucesso do livro, A Cabana, no meio evangélico, é uma prova cabal e indesmentível do quanto nós, igreja do Senhor Jesus Cristo, carecemos de um urgente retorno à Palavra de Deus, ao ensino puro e não adulterado de todo o conselho de Deus.
            Nunca a advertência endereçada pelo apóstolo Paulo à comunidade de Corinto foi tão superlativamente atual: “Mas temo que, assim como a serpente enganou a Eva com astúcia, também a vossa mente seja de alguma forma seduzida e se afaste da simplicidade e pureza que há em Cristo” (II Coríntios 11.3). Que Deus nos dê graça e discernimento para, em meio à babel doutrinária dos nossos dias, sabermos separar a boa doutrina, que edifica e fortalece a nossa fé, do falso ensinamento, que perverte e, conforme a contundente afirmação paulina, “corrói como câncer” (II Coríntios 2.17).
            Continuemos, pois, fiéis ao Deus das Escrituras Sagradas, o qual é santo, bom, amoroso, soberano e senhor sobre todas as coisas, e não nos deixemos embaraçar por caricaturas tão toscas como a que foi, antibiblicamente, esculpida pela ficção teológica construída por William P. Young. Que sejamos, sempre, como os crentes de Beréia, que cotejam o que ouvem com o que está ensinado nas Escrituras Sagradas. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                              
                                               JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                               PRESBÍTERO

Evangelismo e Adoração


                                               EVANGELIZAÇÃO E ADORAÇÃO
                A primeira pergunta do Breve Catecismo, um dos mais importantes Símbolos de Fé das igrejas que professam uma confessionalidade de base reformada, é a seguinte: “Qual o fim principal do homem? O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”.
                Eis o propósito maior e indesviável para o qual o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus: viver de uma maneira permanentemente agradável ao Senhor, amando-o de todo o seu coração, obedecendo de modo prazeroso todos os seus mandamentos, encontrando, enfim, em seu Criador, a sua completa e suficiente fonte de alegria. Em suma: o homem foi criado para adorar a Deus em todo o seu pensar, sentir e agir.
                Assim sendo e procedendo, o homem seria plenamente feliz, destituído de qualquer modalidade de carência. Isso no plano vertical, num tipo de relacionamento amplamente desimpedido entre e Criador e a criatura. Na outra ponta, no plano horizontal, matizado pelas relações entre as pessoas, a perfeita comunhão entre Deus e o homem desembocaria numa vida comunitária igualmente assentada nos pilares do amor mútuo, da fraternidade recíproca, do carinho mais efetivo, da irmandade mais íntima e indestrutível.
                Contudo, esse jardim de delícias foi um dia manchado pela nódoa terrível do pecado de Adão e de Eva, os quais, depois de darem ouvidos à perversa e diabólica tentação protagonizada pelo terrível adversário das nossas almas, quebraram a ordenança do Senhor, violaram o seu santo pacto, decaíram da graça e, ato contínuo, tornaram-se corrompidos em todas as dimensões constitutivas do seu ser. A esse estado de integral falência moral e espiritual, as Escrituras Sagradas chamam de morte espiritual, depravação radical, desconformidade explícita com a lei de Deus, expressão do seu caráter e da sua perfeita santidade.
                Desse modo, criado para glorificar a Deus com todo o seu ser, desfrutá-lo para sempre, e adorá-lo em espírito e em verdade, o homem, ao pecar, errou o alvo, e ficou destituído da glória e da graça de Deus. Coroa da criação divina, o homem, como conseqüência da cósmica rebelião engendrada contra Deus, foi destronado, destituído da privilegiada condição de mordomo amoroso da terra, ficando, em seguida, subjugado pelo império da abominável idolatria que, daí por diante, passou a conferir régua e compasso ao seu desviante comportamento.
                Na epístola endereçada aos romanos, em seu capítulo introdutório, o apóstolo Paulo discorre sobre algumas das etapas percorridas pelo homem em seu itinerário de gradativo afastamento de Deus. O ponto seminal da argumentação paulina radica nas pressuposições inerentes à revelação natural de Deus, esculpida na admirável e assombrosamente diversificada ordem da criação. Por meio dela, e das impressões digitais de Deus espalhadas em todas as suas vastas latitudes, os homens são todos considerados indesculpáveis, dado que a criação revela os principais atributos de Deus, o seu poder majestoso, o suficiente, enfim, para que os homens reconhecessem o senhorio de Deus, a sua evidente divindade e, desse modo, o adorassem, rendendo-lhe a glória somente a Ele devida.
                Contudo, caminhou noutra direção a resposta dada pelo homem à amorosa revelação de Deus consubstanciada na criação. A corrupção começou na mente do homem, alojou-se no seu coração, infeccionou-lhe vontade, e fez dele uma espécie de contumaz produtor de pecados, sendo uma das suas expressões mais grosseiras a que frutificou no território de uma sexualidade cultivada à revelia do projeto originalmente concebido por Deus; e que tinha, e tem, no par dicotômico e complementar homem vs. mulher a sua expressão mais eloqüente.
                Temos procurado demonstrar, ao longo de todo este texto, que, por deliberada e pecaminosa decisão, o homem rejeitou o propósito original para o qual foi criado: “glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”, isto é, desprezou o privilégio de ser um adorador contumaz do seu benfeitor supremo e, em direção contrária, preferiu fazer do pecado a sua cogitação existencial mais acalentadamente perseguida. Que fez Deus, então, diante da ingratidão suprema daquele que se constitui na obra-prima de suas mãos?
                Graciosa, bondosa e misericordiosamente, como expressão do pacto da graça urdido nos invisíveis bastidores da eternidade pela Trindade, Deus Pai envia Deus Filho para morrer na cruz do calvário e, desse modo, quitar o pesado débito contraído por seu povo junto à sua lei. Deus Filho cumpre cabalmente a sua missão, retorna ao céu de glória, de onde, juntamente com o seu Pai, envia o seu Espírito, que, de modo sobrenatural, capacita a sua igreja para a tarefa gloriosa da evangelização de todos os povos.
                Em sua ação ministerial, o Espírito Santo tanto concede poder à igreja, a fim de que ela possa realizar a missão de proclamadora do evangelho, quanto opera eficazmente no coração do pecador, conduzindo-o ao arrependimento e à fé salvadora na pessoa de Jesus Cristo. Penso que já é possível estabelecermos os indisfarçáveis vínculos existentes entre a evangelização e a adoração.
                Na condição de irregenerados, os homens estão privados de cumprir a sua mais nobre finalidade existencial: “glorificar a Deus, e glorificá-lo para sempre”. Sendo assim, suas vidas não passam de mutilações ambulantes, “não tendo esperança e sem Deus no mundo”, conforme o realismo lingüístico empregado por Paulo em sua epístola endereçada à comunidade de Éfeso. Para terem o quadro das suas existências modificado, os homens precisam ouvir o evangelho, e somente o farão se forem eficazmente evangelizados. Assim, antes de mergulharmos no coração daquilo que efetivamente pode ser chamado de evangelização, precisamos refletir sobre o que não é evangelização.
                Embora pressuponha diálogo, respeito pelo outro, e afetividade no exercício interacional, evangelização não é um mero compartilhamento fraterno de idéias religiosas mais ou menos equivalentes às que são professadas por aqueles que vão nos ouvir, mas sim a proclamação da única verdade capaz de reconciliar o homem com Deus: Jesus Cristo, sua vida, morte e ressurreição. Evangelização não é o desfilar de promessas infundadas e desonestas para o pecador; um inventário de coisas que Deus nunca disse em sua Palavra que faria: conceder riqueza a todo o mundo, saúde perfeita, ausência completa de sofrimento, dentre outras.
                Evangelização não é um ativismo agressivo voltado para o pragmático aumento do número de membros da minha denominação, os quais serão depois, pomposamente, exibidos nas estatísticas do triunfalismo e do orgulho. Evangelização também não é a multiplicação de discursos subjetivistas, nuclearizados pelos famosos testemunhos do que Deus fez por mim, na maioria das vezes, mirabolantes, sensacionalistas, e inteiramente desprovidos da chancela da Palavra de Deus.
                Evangelização, à luz das Escrituras Sagradas, é a transmissão fiel de todo o conselho de Deus, isso pressupõe, de acordo com o que pontua Mark Dever em seu excelente livro Deliberadamente Igreja, um anúncio claro de quem Deus é e do que faz; quem é o homem, seu pecado e estado de perdição; quem é Jesus Cristo, e a portentosa obra de redenção por Ele consumada na cruz do calvário; e, por fim, um anúncio sobre as duas prementes e inegociáveis exigências que o evangelho faz a todos os homens: que eles se arrependam dos seus pecados, ponham toda a sua confiança na pessoa e na obra de Jesus Cristo, e passem, em seguida, a viver por meio da sua Palavra, e do poder iluminador e santificador do seu Santo Espírito.
                Nenhuma atividade evangelizadora que se pretenda forrada de biblicidade pode prescindir desses pressupostos que recobrem a proclamação da salvação que há em Jesus Cristo. Quando pregamos o evangelho, não estamos buscando pessoas para “aceitar a Jesus Cristo” (nomenclatura inencontrável nas Escrituras Sagradas) de modo frívolo, sentimental, e absolutamente inconsistente, mas sim procurando pecadores que sejam levados a perceber, por meio da pregação fiel do evangelho, que uma vida consagrada ao pecado é uma forma antecipada de inferno, dado que se efetiva longe de Deus, e completamente alienada do alvo supremo de uma vida realmente bem-aventurada: “glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”.
                Embora a dinâmica objetiva do evangelismo (metodologia de apresentação do evangelho) possa ser móvel e sensível aos contextos concretos em que a evangelização se agencia, a evangelização propriamente dita (o conteúdo da mensagem anunciada) não pode sofrer nenhuma alteração no núcleo duro das suas formulações doutrinárias essenciais, sob pena de sermos catalogados como pregadores infiéis.
                Mark Dever, no livro a que aludimos anteriormente, diz que “aquilo com que ganhamos as pessoas é aquilo para que as ganhamos”. Se as ganhamos com entretimento e frivolidade, então teremos crentes tão ruidosos quanto descompromissados com o alto custo de se seguir a Cristo de modo realmente bíblico; crentes para os quais o cristianismo é um eterno piquenique de final de semana. Se as ganhamos com as facilidades próprias de uma ilusão terrível chamada Teologia da Prosperidade, então teremos crentes egoístas, e cheios de vontade, para os quais Deus não passa de uma espécie de serviçal cósmico, sempre pronto a satisfazer os mais caprichosos desejos humanos. Se as ganhamos com a apresentação pura e simples do evangelho da cruz, loucura para os perdidos, mas poder de Deus para os que nele encontram salvação, conforme assinala o apóstolo Paulo em sua epístola aos Coríntios, então teremos crentes dispostos a seguir a Cristo incondicionalmente; crentes que submeterão ao senhorio do Filho de Deus, e aos inafastáveis pressupostos que balizam um discipulado sério e desejoso de reproduzir em todas as esferas da vida as marcas indeléveis do caráter santo do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
                Ao chegarmos neste ponto das nossas considerações, cremos terem ficado evidenciadas as indeslindáveis relações existentes entre a evangelização e a adoração, duas das mais relevantes missões a serem desempenhadas pelo povo de Deus em sua peregrinação terrena. O alvo supremo da vida, reiteremos, “é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Uma vida de devoção ao pecado frustra esse alvo solene.
                Deus é digno de louvor, glória, honra e adoração. É dever imperioso da igreja trabalhar incessantemente para, no poder do Espírito Santo, conquistar para Deus o maior número possível de pessoas. É óbvio que a conversão de uma alma é prerrogativa indisputável de Deus, milagre prodigioso somente passível de ser operado pela ação soberana do seu Santo Espírito. Essa realidade, entretanto, não deve arrefecer em nós o desejo imperioso de proclamarmos a todos os homens a mensagem gloriosa da salvação que há no evangelho do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, antes deve servir como fonte de estímulo permanente. E é exatamente a esse trabalho glorioso que a Escritura Sagrada chama de evangelização, dever e privilégio de todo aquele que um dia foi alvo da salvadora graça que há em Jesus Cristo. A Escritura Sagrada afirma que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). Um amor assim tão grande merece ser proclamado. Evangelizemos, pois, para a glória de Deus. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                                                             JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                                                             PRESBÍTERO

Uma Palavra aos Pais



por
Arthur W. Pink

Uma das mais infelizes e trágicas características de nossa civilização é a excessiva desobediência aos pais da parte dos filhos, quando menores, e a falta de reverência e respeito, quando grandes. Infelizmente, isto se evidencia de muitas maneiras inclusive em famílias cristãs.
Em nossas abundantes viagens nestes últimos trinta anos, fomos recebidos em muitos lares. A piedade e a beleza de alguns deles ainda permanecem em nossos corações como agradáveis e singelas recordações. Outros lares, porém, nos transmitiram as mais dolorosas impressões. Os filhos obstinados ou mimados não apenas trazem para si mesmos perpétua infelicidade, mas também causam desconforto para todos que se relacionam com eles e prenunciam coisas ruins para os dias vindouros.
Na maioria dos casos, os filhos são menos culpados do que seus pais. A falta de honra aos pais, onde quer que a achemos, deve-se, em grande medida, aos pais afastarem-se do padrão das Escrituras. Atualmente, o pai imagina que cumpre suas obrigações ao fornecer alimento e vestuário para os filhos e, ocasionalmente, ao agir como um tipo de policial de moralidade. Com muita freqüência, a mãe se contenta em desempenhar a função de uma criada doméstica, tornando-se escrava dos filhos, realizando várias tarefas que estes poderiam fazer, para deixá-los livres em atividades frívolas, ao invés de treiná-los a serem pessoas úteis. A conseqüência tem sido que o lar, o qual deveria ser, por causa de sua ordem, santidade e amor, uma miniatura do céu, degenerou-se em “um ponto de parada para o dia e um estacionamento para a noite”, conforme alguém sucintamente afirmou. Antes de esboçarmos os deveres dos pais em relação aos filhos, devemos ressaltar que eles não podem disciplinar adequadamente seus filhos, a menos que primeiramente tenham aprendido a governar a si mesmos. Como podem eles esperar que a obstinação de suas crianças sejam dominadas e controladas as manifestações de ira, se eles mesmos dão livre curso à seus próprios sentimentos. O caráter dos pais é amplamente reproduzido em seus descendentes. “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem” (Gn 5.3). Os pais devem eles mesmos viver em submissão a Deus, se desejam obediência da parte de seus filhos. Este princípio é enfatizado muitas e muitas vezes nas Escrituras. “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo?” (Rm 2.21). A respeito do pastor ou presbítero da igreja está escrito que ele tem de ser alguém “que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)” (1 Tm 3.5). E, se um homem ou uma mulher não sabem como dominar seu próprio espírito (Pv 25.28), como poderão cuidar de seus filhos? Deus confiou aos pais um solene e valoroso privilégio. Não exageramos ao afirmar que em suas mãos estão depositadas a esperança e a bênção, ou a maldição e a ruína da próxima geração.
Suas famílias são os berçários da Igreja e do Estado, e, de acordo com o que agora cultivam, tais serão os frutos que colherão posteriormente.
Eles deveriam cumprir seu privilégio com bastante diligência e oração. Com certeza, Deus lhes pedirá contas referente à maneira de criarem seus filhos, que a Ele pertencem, sendo-lhes confiados para receberem cuidado e preservação.
A tarefa que Deus confiou aos pais não é fácil, em especial nestes dias excessivamente maus. Entretanto, poderão obter a graça de Deus, se a buscarem com sinceridade e confiança. As Escrituras nos fornecem as regras pelas quais devemos viver, as promessas das quais temos de nos apropriar e, precisamos acrescentar, as terríveis advertências, para que não realizemos essa tarefa de maneira leviana.

Instrua seu filho

Queremos mencionar aqui quatro dos principais deveres confiados aos pais. Primeiro, instruir seus filhos. “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as in- culcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6-7). Este dever é sobremodo importante para ser transferido aos outros; Deus exige dos pais, e não dos professores da Escola Dominical, a responsabilidade de educarem seus filhos. Tampouco essa tarefa deve ser realizada de maneira esporádica ou ocasional, mas precisa receber constante atenção. O glorioso caráter de Deus, as exigências de sua lei, a excessiva malignidade do homem, o maravilhoso dom de seu Filho e a terrível condenação que será a recompensa de todos aqueles que O desprezam e rejeitam — estas coisas precisam ser apresentadas constantemente aos filhos. “Eles são pequenos demais para entendê-las” é o argumento de Satanás, visando impedir os pais de cumprirem seu dever. “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef 6.4). Temos de observar que os “pais” são especificamente mencionados neste versículo, por duas razões: eles são os cabeças das famílias e o governo desta lhes foi confiado; os pais são inclinados a transferir sua responsabilidade às esposas. Essa instrução deve ser ministrada através da leitura da Bíblia e de explicar aos filhos as coisas adequadas à sua idade. Isto deveria ser acompanhado de ensinar-lhes um catecismo. Um constante falar aos mais novos não se mostra tão eficiente quanto a diversificação com perguntas e respostas. Se nossos filhos sabem que serão questionados após ou durante a leitura bíblica, ouvirão mais atentamente: fazer perguntas os ensina a pensarem por si mesmos. Este método também leva a memória a reter mais os ensinos, pois o responder perguntas definidas, fixa idéias específicas em nossas mentes. Observe quantas vezes Jesus fez perguntas aos seus discípulos.


Seja um bom exemplo 
Segundo, boas instruções precisam ser acompanhadas de bons exemplos. O ensino proveniente apenas dos lábios provavelmente será ineficaz. Os filhos são espertíssimos em detectar inconsistências e rejeitar a hipocrisia. Neste aspecto, os pais precisam humilhar-se diante de Deus, buscando todos os dias a graça que desesperadamente necessitam e somente Ele pode dar. Que cuidado eles precisam ter, para que diante de suas crianças não digam e façam coisas que tendem a corromper suas mentes ou produzam más conseqüências, se elas as imitarem! Os pais necessitam estar constantemente alertas contra aquilo que pode torná-los desprezíveis aos olhos daqueles que deveriam respeitá-los e honrá-los. Não apenas devem instruir seus filhos no caminho da santidade, mas eles mesmos devem andar neste caminho, mostrando por sua prática e conduta quão agradável e proveitoso é ser orientado pela lei de Deus. No lar de pessoas crentes, o supremo alvo deve ser a piedade familiar — honrar a Deus em todas as ocasiões —, e as outras coisas, subordinadas a este alvo.
Quanto à vida familiar, nem o esposo nem a esposa deve transferir para o outro toda a responsabilidade pelo aspecto espiritual da vida da família. A mãe com certeza tem a incumbência de suplementar os esforços do pai, pois os filhos desfrutam mais de sua companhia. Se existe a tendência de os pais serem muito rígidos e severos, as mães são propensas a serem muito brandas e clementes; portanto, têm de vigiar mais contra qualquer coisa que enfraquecerá a autoridade do pai. Quando este proibir alguma coisa, ela não deve consenti-la às crianças. É admirável observar que a exortação dada em Efésios 6.4 é precedida por “Enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18); enquanto a exortação correspondente em Colossenses 3.21 é precedida por “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (v. 16), demonstrando que os pais não podem cumprir seus deveres, a menos que estejam cheios do Espírito Santo e da Palavra de Deus.

Discipline seu filho

Terceiro, a instrução e o exemplo precisam ser reforçados mediante a correção e a disciplina. Antes de tudo, isto implica no exercício de autoridade — a correta aplicação da lei divina. A respeito de Abraão, o pai dos fiéis, Deus afirmou: “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito” (Gn 18.19).

Pais crentes, meditem nestas palavras com cuidado. Abraão fez mais do que simplesmente dar conselhos: ele ensinou com vigor a lei de Deus e ordenou sua casa. As regras com que ele administrou seu lar tinham o objetivo de seus filhos guardarem “o caminho do SENHOR” — aquilo que era correto aos olhos de Deus. Este dever foi cumprido pelo patriarca a fim de que a bênção de Deus estivesse sobre sua família. Nenhuma família pode crescer adequadamente sem leis familiares, que incluem recompensas e castigos. Isto é especialmente importante na primeira infância, quando ainda o caráter moral não está formado e as crianças não apreciam ou entendem seus motivos morais. As regras devem ser simples, claras, lógicas e flexíveis, tais como os Dez Mandamentos — poucas mas relevantes regras morais, ao invés de centenas de restrições insignificantes.
Uma das maneiras de provocarmos desnecessariamente nossos filhos à ira é atrapalhá-los com muitas restrições insignificantes e regras detalhadas e arbitrárias, procedentes de pais perfeccionistas. É de vital importância para o bom futuro dos filhos que estes sejam trazidos em submissão desde cedo. Uma criança malcriada representa um adulto ímpio — nossas prisões estão superlotadas com pessoas que tiveram a liberdade de seguirem seus próprios caminhos durante sua infância. A mais leve ofensa de uma criança quebrando as regras do lar não deve ficar sem a devida correção; pois, se ela achar clemência ao transgredir uma regra, esperará a mesma clemência em relação a outras ofensas, e sua desobediência se tornará mais freqüente, até que os pais não tenham mais controle, exceto através do exercício de força brutal. O ensino das Escrituras é claro quanto a este assunto. “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (Pv 22.15; ver também 23.13- 14). Por isso, Deus afirmou: “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (Pv 13.24). E, ainda: “Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18). Não permita que uma afeição insensata o impeça de cumprir seu dever. Com certeza, Deus ama seus filhos com um sentimento paternal mais profundo do que você ama seus filhos, mas Ele nos diz: “Eu repreendo e disciplino a quantos amo” (Ap 3.19; cf. Hb 12.6). “A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe” (Pv 29.15). A severidade tem de ser utilizada nos primeiros anos de uma criança, antes que a idade e a obstinação endureçam-na contra o temor e a pungência da correção. Poupe a vara e você arruinará seu filho; não a utilize e terá de sofrer as conseqüências. É quase desnecessário salientar que as Escrituras citadas anteriormente não têm o propósito de incutir- nos a idéia de que nosso lar deve ser caracterizado por um reino de terror. Os filhos podem ser governados e disciplinados de tal maneira, que não percam o respeito e as afeições por seus pais. Estejamos atentos para não estragarmos seus temperamentos, por fazermos exigências ilógicas, e provocá-los à ira, por castigá-los expressando nossa própria ira. O pai têm de punir um filho desobediente não porque ficou bravo, e sim porque é correto fazer isso — Deus o exige, bem como a rebeldia de seu filho. Nunca faça uma ameaça, se não tenciona cumpri-la. Lembre que estar bem informado é bom para seu filho, mas ser bem controlado é ainda melhor. Esteja atento às inconscientes influências que cercam seu filho. Estude meios para tornar seu lar atraente, não pela utilização de recursos carnais e mundanos, mas por servir-se de ideais nobres, por incutir- lhes um espírito de altruísmo e desenvolver uma comunhão agradável e feliz. Não permita que seus filhos se associem a más companhias. Verifique cautelosamente as revistas e livros que entram em seu lar, observe os amigos que ocasionalmente seus filhos convidam para vir ao lar e as amizades que eles estabelecem. Antes mesmo de o reconhecerem, muitos pais permitem seus filhos relacionarem-se com pessoas que arruinam a autoridade paternal, transtornam seus ideais e semeiam frivolidade e pecado.

Ore por seus filhos 
Quarto, o último e mais importante dever, no que se refere ao bem-estar físico e espiritual de seus filhos, é a intensa súplica a Deus em favor deles. Sem isto, todos os outros deveres são ineficazes. Os meios são inúteis, exceto quando o Senhor os abençoa. O trono da graça tem de ser fervorosamente buscado, para que sejam coroados de sucesso os nossos esforços em educar os filhos para a glória de Deus. É verdade que precisa haver uma humilde submissão à soberana vontade de Deus, um prostrar-se ante a verdade da eleição. Por outro lado, o privilégio da fé consiste em apropriar-se das promessas divinas e em recordar que a ardente e eficaz oração de um justo produz muitos resultados. A Bíblia nos diz que o piedoso Jó “chamava... a seus filhos e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles” (Jó 1.5). Uma atmosfera de oração deve permear o lar e ser respirada por todos os que dele compartilham.
Fonte: Revista Fé para Hoje, Editora Fiel

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