Teologia Fácil- A Graça Comum- Vale a Pena Estudar Este Tema!


   

A Graça Comum

I. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. Introdução e definição

Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se réus da punição eterna e da separação de

Deus (Gênesis 2:17). Do mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se

tornam sujeito à ira de Deus e à punição eterna: "o salário do pecado é a morte"

(Romanos 6:23). Isso significa que, uma vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus

requer somente uma coisa — que elas sejam eternamente separadas de Deus, alienadas

da possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que elas existam para

sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso foi o que

aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente conosco

também: "Pois Deus não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no inferno,

prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo" (2 Pedro

2:4).

Mas, de fato, Adão e Eva não morreram imediatamente (embora a sentença de morte

começasse a ser aplicada na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da

sentença de morte foi retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus

descendentes até o dia de hoje não morrem nem vão para o inferno tão logo pecam, mas

continuam a viver por muitos anos, desfrutando bênçãos incontáveis nesta vida. Como

pode ser isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a pecadores que merecem

somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a

milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?

A respostas a essas perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir

graça comum da seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às

pessoas bênçãos inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui

significa algo que é dado a todos os homens e não é restrito aos crentes ou aos eleitos

somente.

Diferentemente da graça comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas

vezes chamada "graça salvadora". Naturalmente, quando falamos a respeito da "graça

comum" e da "graça salvadora", não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies

de graça no próprio Deus, mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se manifesta

no mundo de duas maneiras diferentes. A graça comum é diferente da graça salvadora

quanto aos resultados (ela não traz salvação), seus destinatários (é dada aos crentes e

descrentes igualmente) e sua fonte (ela não flui diretamente da obra expiatória de

Cristo, visto que a morte dEle não obtém nenhuma medida de perdão para os descrentes

e, portanto, nem os crentes nem os descrentes fazem jus às suas bênçãos). Contudo,

sobre o último ponto, deve ser dito que a graça comum flui indiretamente da obra

redentora de Cristo, porque o fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado

entrou nele talvez seja apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores

por meio da morte de Seu Filho.

B. Exemplos de graça comum

Se olhamos para o mundo ao nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele

merece, podemos ver imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus

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em milhares de exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias

específicas nas quais essa graça comum pode ser vista.

1. A esfera física. Os descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da

graça comum de Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do

pecado é a morte, não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas

daninhas (Gênesis 3:18), nem permanece um deserto ressequido, mas a graça comum de

Deus provê comida e material para roupa e abrigo, muitas vezes em grande abundância

e diversidade. Jesus disse: "Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os

perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque Ele

faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos" (Mateus

5:44,45). Aqui Jesus apela para a abundante graça comum de Deus como encorajamento

aos seus discípulos, para que eles também concedam amor e orem para que os

descrentes sejam abençoados (cf. Lucas 6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao

povo de Listra: "No passado [Deus] permitiu que todas as nações seguissem os seus

próprios caminhos. Contudo. Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade,

dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com

fartura e um coração cheio de alegria" (Atos 14:16,17).

O Antigo Testamento também fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes

tanto quanto aos crentes. Um exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do

Egito que comprou José como escravo: "o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa

de José. A bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa

como no campo" (Gênesis 39:5). Davi fala de modo muito mais geral a respeito das

criaturas que o Senhor fez:

"O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os

olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a

tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos" (Salmos 145:9,15,16).

Estes versículos são outro lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a

criação não acontece automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua

compaixão.

2. A esfera intelectual. Satanás é "mentiroso e pai da mentira" e "não há verdade nele"

(João 8:44), porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e

comprometimento com a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres humanos

no mundo de hoje, mesmo os descrentes, não estão totalmente entregues à mentira,

irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas são capazes de ter um pouco de

compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande inteligência e

entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus.

João fala de Jesus como "a verdadeira luz, que ilumina todos os homens" (João 1:9),

pois, em seu papel como criador e sustentador do universo (não particularmente em seu

papel como redentor), o Filho de Deus concede iluminação e entendimento que vêm a

todas as pessoas no mundo.

A graça comum de Deus na esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm

certo conhecimento de Deus: "porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como

Deus, nem lhe renderam graças" (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso da

existência de Deus e muitas vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite que

permaneça no coração das pessoas, embora isso resulte muitas vezes em muitos religiões

diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando falando a pessoas que

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sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um ponto de contato com respeito ao

conhecimento da existência de Deus, exatamente como fez quando falou aos filósofos

atenienses: "Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos [...] o

que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio" (Atos 17:22,23).

A graça comum de Deus na esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a

verdade e distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que

pode ser usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso significa

que toda ciência e tecnologia desenvolvida pelos não-cristãos é resultado da graça

comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções incríveis, para desenvolver os

recursos do planeta na criação de muitos bens materiais, para produção e distribuição

desses recursos e para alcançar habilidades na obra produtiva. Em sentido prático, isso

significa que, cada vez que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou

entramos em uma casa, devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da

abundante graça comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.

3. A esfera moral. Pela graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más

quanto poderiam. Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à

destruição, proporciona um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é

claramente refreado. Se as pessoas persistem dura e repetidamente em seguir o pecado

durante o curso de sua vida, Deus finalmente as entregará ao maior de todos os pecados

(cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da maioria dos seres humanos eles

não caem nas profundezas às quais seus pecados normalmente os levariam, porque Deus

intervém e coloca freio na sua conduta. Um refreamento muito eficaz é a força da

consciência. Paulo diz: "De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam

naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a

Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão

testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora

defendendo-os" (Romanos 1:32). E em muitos outros casos, essa sensação interior da

consciência leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade que são, em

termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às leis

morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm costumes que

respeitam a santidade do casamento e da família, protegem a vida humana e proíbem o

roubo e a falsidade no falar. Por causa disso, elas muitas vezes seguem caminhos

moralmente retos e exteriormente andam conforme os padrões morais encontrados na

Escritura. Embora a conduta moral delas não possa ganhar méritos com Deus, visto que a

Escritura claramente diz que "diante de Deus ninguém é justificado pela Lei" (Gálatas

3:11) e "Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça

o bem, não há nem um sequer" (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor que

ganhar a aprovação ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem "o

bem". Jesus sugere isso quando diz: "E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que

são bons para com vocês? Até os 'pecadores' agem assim" (Lucas 6:33).

4. A esfera da criatividade. Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em

áreas artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e a

habilidade podem expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e assim por

diante. Além disso, Deus nos dá a capacidade de apreciar a beleza em muitas áreas da

vida. E nessa área, assim como na esfera física e intelectual, as bênçãos da graça

comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais abundantemente que

sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é resultado da graça de Deus.

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5. A esfera da sociedade. A graça de Deus também é evidente na existência de várias

organizações e estruturas na raça humana. Vemos isso primeiramente na família

humana, ressaltado pelo fato de que Adão e Eva permaneceram marido e mulher após a

queda e então tiveram filhos, homens e mulheres (Gênesis 5:4). Os filhos de Adão e Eva

casaram-se e formaram famílias para si mesmos (Gênesis 4:17,19,26). A família humana

permanece ainda hoje, não simplesmente como instituição para os crentes, mas para

todas as pessoas.

O governo humano é também resultado da graça comum. Ele foi instituído no princípio

por Deus após o dilúvio (ver Gênesis 9:6) e, segundo Romanos 13 claramente afirma, foi

estabelecido por Deus: "Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois

não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele

estabelecidas". Está claro que o governo é dom de Deus para a raça em geral, pois Paulo

diz que a autoridade "é serva de Deus para o seu bem" e que ela é "serva de Deus,

agente de justiça para punir quem pratica o mal" (Romanos 13:4). Um dos principais

meios que Deus usa para refrear o mal no mundo é o governo humano. As leis humanas,

as forças policiais e os sistemas judiciais proporcionam poderosa repressão às más ações,

e esses são freios necessários, pois há muito mal no mundo que é irracional e pode ser

restringido somente pela força, já que ele não será impedido pela razão ou pela

educação. Obviamente a pecaminosidade das pessoas pode também afetar os governos

em si mesmos, de forma que o governo humano, igual a todas as outras bênçãos da graça

comum que Deus dá, pode ser usado tanto para o propósito do bem como do mal.

6. A esfera religiosa. Mesmo na esfera da religião humana, a graça comum de Deus traz

algumas bênçãos para as pessoas incrédulas. Jesus nos diz: "Amem os seus inimigos e

orem por aqueles que os perseguem" (Mateus 5:44), e desde que não há qualquer

restrição no contexto para que se ore simplesmente pela salvação deles e como a ordem

de orar pelos que nos perseguem é combinada com a ordem de amá-los, parece razoável

concluir que Deus pretende responder a nossas orações pelos que nos perseguem em

muitas áreas de suas vidas. De fato, Paulo especificamente ordena que oremos "pelos

reis e por todos os que exercem autoridade" (1 Timóteo 2:2). Quando procuramos o bem

dos descrentes, isso é coerente com a própria prática divina de conceder sol e chuva a

"maus e bons" (Mateus 5:45) e também está de acordo com a prática de Jesus durante o

Seu ministério terreno, quando Ele curou cada pessoa que lhe era trazida (Lucas 4:40).

Não há indicação alguma de que ele tenha exigido que todos cressem nele ou

concordassem que ele era o Messias antes de lhes conceder cura física.

Deus responde às orações dos descrentes? Embora Deus não tenha prometido responder

às orações dos descrentes como prometeu responder às orações dos que vêm a Ele em

nome de Jesus, e embora Ele não tenha obrigação de responder às orações dos

descrentes, mesmo assim Deus pode por Sua graça comum ouvir e responder

positivamente às orações deles, demonstrando dessa forma Sua misericórdia e bondade

de outro modo ainda (cf. Salmos 145:9,15; Mateus 7:22; Lucas 6:35,36). Esse é

provavelmente o sentido de 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus é o "Salvador de todos os

homens, especialmente dos que crêem". Aqui "Salvador" não significa restritamente

"quem perdoa pecados e dá vida eterna", porque tais coisas não são dadas aos que não

crêem. "Salvador" deve ter aqui um sentido mais geral — a saber, "quem resgata da

miséria, quem liberta". Em caso de pobreza e miséria, Deus muitas vezes ouve as

orações dos descrentes e os livra graciosamente de seus problemas. Além disso, mesmo

os descrentes muitas vezes possuem um senso de gratidão para com Deus pela bondade

da criação, pela libertação em meio ao perigo e pelas bênçãos da família, do lar, das

amizades e do país.

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7. A graça comum não salva pessoas. A despeito de tudo isso, devemos perceber que a

graça comum é diferente da graça salvadora. A graça comum não muda o coração

humano nem traz pessoas ao genuíno arrependimento ou à fé — ela não pode salvar e

não salva pessoas (embora na esfera intelectual e moral ela possa preparar as pessoas

para torná-las mais dispostas a aceitar o evangelho). A graça comum refreia o pecado,

mas não muda a disposição fundamental de pecar nem purifica a natureza humana

decaída.

Devemos também reconhecer que as ações que os descrentes realizam por causa da

graça comum não merecem a aprovação ou o favor de Deus. Essas ações não procedem

da fé ("tudo o que não provém da fé é pecado", Romanos 14:23) nem são motivadas

pelo amor a Deus (Mateus 22:37), e sim pelo amor ao ego sob uma ou outra forma.

Portanto, embora possamos prontamente dizer que as obras dos descrentes que se

conformam externamente às leis de Deus são "boas" em algum sentido, contudo elas

não são boas em termos de merecer a aprovação de Deus nem de tornar Deus endividado

para com o pecador em sentido algum.

Finalmente, devemos reconhecer que os descrentes muitas vezes recebem mais graça

comum que os crentes — eles podem ser mais habilidosos, trabalhar com mais esforço,

ser mais inteligentes, mais criativos ou ter mais dos benefícios materiais desta vida para

desfrutar. Isso não indica de forma alguma que eles são mais favorecidos por Deus no

sentido absoluto ou que eles vão ganhar qualquer coisa relativa à salvação eterna, mas

significa somente que Deus distribui as bênçãos da graça comum de vários modos, muitas

vezes concedendo bênçãos bastante significativas a descrentes. Em tudo isso,

obviamente, eles devem tomar consciência da bondade de Deus (Ateus 14:17) e

reconhecer que a vontade revelada de Deus é que essa "bondade de Deus" finalmente os

conduza "ao arrependimento" (Romanos 2:4).

C. Razões para a graça comum

Por que Deus concede graça comum a pessoas imerecedoras que nunca virão à salvação?

Podemos sugerir ao menos quatro razões.

1. Para redimir os que serão salvos. Pedro diz que o dia do juízo e da execução final de

punição está sendo retardado porque há ainda mais pessoas que serão salvas. "O Senhor

não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Ao contrário, ele é

paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao

arrependimento." (2 Pedro 3:9,10). De fato, essa razão foi verdadeira desde o princípio

da história humana, pois, se Deus quisesse salvar qualquer pessoa entre todos que

compõem a humanidade pecaminosa, Ele não poderia destruir todos os pecadores

imediatamente (nesse caso não sobraria ninguém da raça humana). Ao contrário, Ele

resolveu permitir que seres humanos pecaminosos vivessem algum tempo de modo a ter

uma oportunidade de arrependimento e também para que pudessem gerar filhos,

capacitando gerações subseqüentes a viver, a ouvir o evangelho e se arrepender.

2. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus. A bondade e a misericórdia de

Deus não são vistas somente na salvação dos crentes, mas também nas bênçãos que Deus

dá aos pecadores que não as merecem. Quando Deus "é bondoso para com os ingratos e

maus" (Lucas 6:35), essa bondade é revelada no universo, para a Sua glória. Davi diz: "O

Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas" (Salmos

145:9). Na história de Jesus conversando com o moço rico, lemos: "Jesus olhou para ele

e o amou" (Marcos 10:21), embora o homem fosse um descrente que no mesmo instante

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afastou-se de Jesus porque possuía muitas riquezas. Berkhof diz que Deus "derrama

incontáveis bênçãos sobre todos os homens e também indica claramente que elas são

expressões de uma disposição favorável de Deus que, contudo, fica muito aquém da

volição positiva exercida para lhes perdoar, suspender a sentença a eles imposta e

assegurar-lhes a salvação".

Não é injusto Deus retratar a execução da punição do pecado e dar temporariamente

bênçãos aos seres humanos, porque a punição não é esquecida, mas apenas retardada.

Retardando a punição, Deus mostra claramente que não tem prazer em executar o juízo

final, mas, ao contrário, Ele se deleita na salvação de homens e mulheres. "Juro pela

minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios,

antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam" (Ezequiel 33:11).

Deus "deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da

verdade" (1 Timóteo 2:4). Em tudo isso o tempo de espera da punição dá uma evidência

clara da misericórdia, bondade e amor de Deus.

3. Para demonstrar a justiça de Deus. Quando repetidamente Deus convida os pecadores

a virem à fé e repetidamente eles recusam os Seus convites, a justiça de Deus em

condená-los é vista muito mais claramente. Paulo adverte que quem persiste na

incredulidade está simplesmente acumulando a ira para si mesmo: "Contudo, por causa

da teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo, para

o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento" (Romanos 2:5). No dia

do juízo todas as bocas serão silenciadas (Romanos 3:19), e ninguém será capaz de

contrapor que Deus foi injusto.

4. Para demonstrar a glória de Deus. Finalmente, a glória de Deus é mostrada de muitas

formas pelas atividades dos seres humanos em todas as áreas nas quais a graça comum

está em operação. No desenvolvimento e no exercício do domínio sobre a terra, homens

e mulheres demonstram e refletem a sabedoria do seu Criador, comprovam as

qualidades dadas por Deus, as virtudes morais e a autoridade sobre o universo, e coisas

semelhantes. Embora todas essas atividades sejam contaminadas por motivos

pecaminosos, elas apesar disso refletem a excelência de nosso Criador e, portanto,

trazem a glória a Ele, não de forma plena e perfeita, mas ainda assim significativa.

C. Nossa resposta à doutrina da graça comum

Pensando sobre as várias espécies de bondades vistas na vida dos descrentes por causa

da graça comum que Deus dá abundantemente, devemos ter em mente três pontos.

1. Graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Mesmo uma porção

excepcional de graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Até as pessoas

mais habilidosas, mas inteligentes, mais ricas e poderosas no mundo ainda carecem do

evangelho de Jesus Cristo ou serão condenadas eternamente! Os nossos vizinhos mais

bondosos e de moral mais elevada ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão

condenados eternamente! Exteriormente pode parecer que eles não têm necessidade

algumas, mas a Escritura ainda diz que os descrentes são "inimigos de Deus" (Romanos

5:10; cf. Colossenses. 1:21; Tiago 4:4) e são "contra" Cristo (Mateus 12:30). Eles são

"inimigos da cruz de Cristo" e "só pensam nas coisas terrenas" (Filipenses 3:18,19),

sendo "por natureza merecedores da ira" (Efésios 2:3).

2. Devemos ser cuidados em não rejeitar as coisas boas que os descrentes fazem,

considerando-as totalmente más. Pela graça comum os descrentes fazem algumas coisas

boas, e devemos ver a mão de Deus nelas, sendo agradecidos por elas, como por

exemplo nas amizades, em cada ato de bondade, no que elas trazem de bênçãos para

outras pessoas. Tudo isso — embora o descrente não o saiba — procede em última

análise de Deus, e Deus merece a glória por tudo.

3. A doutrina da graça comum deveria estimular nosso coração à gratidão muito maior a

Deus. Quando descemos uma rua e vemos casas, jardins e famílias vivendo em

segurança, ou quando negociamos no mercado e vemos os resultados abundantes do

progresso tecnológico, ou quando andamos pelos bosques e vemos a beleza da natureza,

ou quando somos protegidos pelas autoridades, ou quando somos educados no vasto

conhecimento humano, devemos perceber não somente que Deus, em Sua soberania, é o

responsável último por todas essas bênçãos, mas também que Deus as tem concedido aos

descrentes, embora eles não tenham absolutamente nenhum mérito com relação a elas!

Essas bênçãos no mundo não são apenas evidências do poder e sabedoria de Deus, mas a

manifestação contínua da Sua graça abundante. A percepção deste fato deveria fazer

nosso coração se encher de gratidão a Deus em cada atividade de nossa vida.

Autor: Wayne Grudem

Fonte: Teologia Sistemática do autor, Editora Vida Nova, págs. 297-304. Compre este

livro em http://www.vidanova.com.br .

Estudos Bíblicos - Curso Teológico

http://sites.google.com/site/estudosbiblicossolascriptura

Carta as Bispas, Apóstolas e Pastoras em Geral.

 
 
 
[*Nota – é mais uma carta ficticia, gênero que uso como maneira de tornar as minhas idéias mais interessantes para o leitor. Minha esposa não tem (ainda) nenhuma amiga que virou bispa.]

Minha cara Evônia,

Minha esposa me falou do encontro casual que vocês duas tiveram no shopping semana passada. Ela estava muito feliz em rever você e relembrar os tempos do ginásio e da igreja que vocês frequentavam. Aí ela me contou que você foi consagrada pastora e depois bispa desta outra denominação que você tinha começado a frequentar.

Ela também me mostrou os e-mails que vocês trocaram sobre este assunto, em que você tenta justificar o fato de ser uma pastora e bispa, já que minha esposa tinha estranhado isto na conversa que vocês tiveram. Ela me pediu para ler e comentar seus argumentos e contra-argumentos. Não pretendo ofendê-la de maneira nenhuma – nem mesmo conheço você pessoalmente. Mas faço estes comentários para ver se de alguma forma posso ser útil na sua reflexão sobre o ter aceitado o cargo de pastora e de bispa.

Acho, para começar, que você ser bispa vem de uma atitude de sua comunidade para com as Escrituras, que equivale a considerá-la condicionada à visão patriarcal e machista da época. Ou seja, ela é nossa regra, mas não para todas as coisas. Ao rejeitar o ensinamento da Bíblia sobre liderança, adota-se outro parâmetro, que geralmente é o pensamento e o espírito da época.

E é claro, Evônia, que na nossa cultura a mulher – especialmente as inteligentes e dedicadas como você – ocupa todas as posições de liderança disponíveis, desde CEO de empresas a presidência da República – se a Dilma ganhar. Portanto, sem o ensinamento bíblico como âncora, nada mais natural que as igrejas também coloquem em sua liderança presbíteras, pastoras, bispas e apóstolas.

Mas, a pergunta que você tem que fazer, Evônia, é o que a Bíblia ensina sobre mulheres assumirem a liderança da igreja e se este ensino se aplica aos nossos dias. Não escondo a minha opinião. Para mim, a liderança da igreja foi entregue pelo Senhor Jesus e por seus apóstolos a homens cristãos qualificados. E este padrão, claramente encontrado na Bíblia, vale como norma para nossos dias, pois se baseia em princípios teológicos e não culturais. Reflita no seguinte.

1. Embora mulheres tenham sido juízas e profetisas (Jz 4.4; 2Re 22.14) em Israel nunca foram ungidas, consagradas e ordenadas como sacerdotisas, para cuidar do serviço sagrado, das coisas de Deus, conduzir o culto no templo e ensinar o povo de Deus, que eram as funções do sacerdote (Ml 2.7). Encontramos profetisas no Novo Testamento, como as filhas de Felipe (At 21.9; 1Co 11.5), mas não encontramos sacerdotisas, isto é, presbíteras, pastoras, bispas, apóstolas. Apelar à Débora e Hulda, como você fez em seu e-mail, prova somente que Deus pode usar mulheres para falar ao seu povo. Não prova que elas tenham que ser ordenadas.

2. Você disse à minha esposa que Jesus não escolheu mulheres para apóstolas porque ele não queria escandalizar a sociedade machista de sua época. Será, Evônia? O Senhor Jesus rompeu com vários paradigmas culturais de sua época. Ele falou com mulheres (Jo 8.10-11), inclusive com samaritanas (Jo 4.7), quebrou o sábado (Jo 5.18), as leis da dieta religiosa dos judeus (Mt 7.2), relacionou-se com gentios (Mt 4.15). Se ele achasse que era a coisa certa a fazer, certamente teria escolhido mulheres para constar entre os doze apóstolos que nomeou. Mas, não o fez, apesar de ter em sua companhia mulheres que o seguiam e serviam, como Maria Madalena, Marta e Maria sua irmã (Lc 8.1-2).

3. Por falar nisto, lembre também que os apóstolos, por sua vez, quando tiveram a chance de incluir uma mulher no círculo apostólico em lugar de Judas, escolheram um homem, Matias (At 1.26), mesmo que houvesse mulheres proeminentes na assembléia, como a própria Maria, mãe de Jesus (At 1.14-15) – que escolha mais lógica do que ela? E mais tarde, quando resolveram criar um grupo que cuidasse das viúvas da igreja, determinaram que fossem escolhidos sete homens, quando o natural e cultural seria supor que as viúvas seriam mais bem atendidas por outras mulheres (Atos 6.1-7).

4. Tem mais. Nas instruções que deram às igrejas sobre presbíteros e diáconos, os apóstolos determinaram que eles deveriam ser marido de uma só mulher e deveriam governar bem a casa deles – obviamente eles tinham em mente homens cristãos (1Tm 3.2,12; Tt 1.6) e não mulheres, ainda que capazes, piedosas e dedicadas, como você. E mesmo que reconhecessem o importante e crucial papel da mulher cristã no bom andamento das igrejas, não as colocaram na liderança das comunidades, proibindo que elas ensinassem com a autoridade que era própria do homem (1Tm 2.12), que participassem na inquirição dos profetas, o que poderia levar à aparência de que estavam exercendo autoridade sobre o homem (1Co 14.29-35). Eles também estabeleceram que o homem é o cabeça da mulher (1Co 11.3; Ef 5.23), uma analogia que claramente atribui ao homem o papel de liderança.

5. Você retrucou à minha esposa na troca de e-mails que nenhuma destas passagens se aplica hoje, pois são culturais. Mas, será, Evônia, que estas orientações foram resultado da influência da cultura patriarcalista e machista daquela época nos autores bíblicos? Tomemos Paulo, por exemplo. Será que ele era mesmo um machista, que tinha problemas com as mulheres e suspeitava que elas viviam constantemente tramando para assumir a liderança das igrejas que ele fundou, como você argumentou? Será que um machista deste tipo diria que as mulheres têm direito ao seu próprio marido, que elas têm direitos sexuais iguais ao homem, bem como o direito de separar-se quando o marido resolve abandoná-la? (1Co 7.2-4,15) Um machista determinaria que os homens deveriam amar a própria esposa como amavam a si mesmos? (Ef 5.28,33). Um machista se referiria a uma mulher admitindo que ela tinha sido sua protetora, como Paulo o faz com Febe (Rm 16.1-2)?

6. Agora, se Paulo foi realmente influenciado pela cultura de sua época ao proibir as mulheres de assumir a liderança das igrejas, o que me impede de pensar que a mesma coisa aconteceu quando ele ensinou, por exemplo, que o homossexualismo é uma distorção da natureza acarretada pelo abandono de Deus (Rm 1.24-28) e que os sodomitas e efeminados não herdarão o Reino de Deus (1Co 6.9-11)? Você defende também, Evônia, que estas passagens são culturais e que se Paulo vivesse hoje teria outra opinião sobre a homossexualidade? Pergunto isto pois em outras igrejas este argumento está sendo usado.

7. Tem mais, se você ainda tiver um tempinho para me ouvir. As alegações apostólicas não me soam culturais. Paulo argumenta que o homem é o cabeça da mulher a partir de um encadeamento hierárquico que tem início em Deus Pai, descendo pelo Filho, pelo homem e chegando até a mulher (1Co 11.3).[1] Este argumento me parece bem teológico, como aquele que faz uma analogia entre marido e mulher e Cristo e a igreja, “o marido é o cabeça da mulher como Cristo é o cabeça da igreja” (Ef 5.23). Não consigo imaginar uma analogia mais teológica do que esta para estabelecer a liderança masculina. E quando Paulo restringe a participação da mulher no ensino autoritativo –que é próprio do homem – argumenta a partir do relato da criação e da queda (1Tm 2.12-14).[2]

8. Você já deve ter percebido que para legitimar sua posição como bispa você teve que dar um jeito neste padrão de liderança exclusiva masculina que é claramente ensinado na Bíblia e na ausência de evidências de que mulheres assumiram esta liderança. Não tem como aceitar ser bispa e ao mesmo tempo manter que a Bíblia toda é a Palavra de Deus para nossos dias. E foi assim que você adotou esta postura de dizer que a liderança exclusiva masculina é resultado da cosmovisão patriarcal e machista dos autores do Antigo e Novo Testamentos, e que portanto não pode ser mais usada em nossos dias, quando os tempos mudaram, e as mulheres se emanciparam e passaram a assumir a liderança em todas as áreas da vida. Em outras palavras, como você mesmo confirmou em seu e-mail, a Bíblia é para você um livro culturalmente condicionado e só devemos aplicar dele aquelas partes que estão em harmonia e consenso com nossa própria cultura. Eu sei que você não disse isto com estas exatas palavras, mas a impressão que fica é que você considera a Bíblia como retrógrada e ultrapassada e que o modelo de liderança que ela ensina não serve de paradigma para a liderança moderna da Igreja de Cristo.

Quando se chega a este nível, então, para mim, a porta está aberta para a entrada de qualquer coisa que seja aceitável em nossa cultura, mesmo que seja condenada nas Escrituras. Como você poderá, como bispa, responder biblicamente aos jovens de sua igreja que disserem que o casamento está ultrapassado e que sexo antes do casamento é normal e mesmo o relacionamento homossexual? Como você vai orientar biblicamente aquele casal que acha normal terem casos fora do casamento, desde que estejam de acordo entre eles, e que acham que adultério é alguma coisa do passado?

Sabe Evônia, você e a sua comunidade não estão sozinhas nessa distorção. Na realidade esse pensamento é também popularizado por seminários de denominações tradicionais e professores de Bíblia que passaram a questionar a infalibilidade das Escrituras, utilizando o método histórico crítico, ensinando em sala de aula que Paulo e os demais autores do Novo Testamento foram influenciados pela visão patriarcal e machista do mundo da época deles. Só podia dar nisso... na hora que os pastores, presbíteros e as próprias igrejas relativizam o ensino das Escrituras, considerando-o preso ao séc. I e irremediavelmente condicionado à visão de mundo antiga, a igreja perde o referencial, o parâmetro, o norte, o prumo – e como ninguém vive sem estas coisas, elege a cultura como guia.

Termino reiterando meu apreço e respeito por você como mulher cristã e pedindo desculpas se não posso me dirigir a você, em nossa correspondência pessoal, como “bispa” Evônia. Espero que meus motivos tenham ficado claros.

Um abraço,

Augustus

NOTAS

[1] Esse encadeamento hierárquico se refere à economia da Trindade e trata das diferentes funções assumidas pelas Pessoas da Trindade na salvação do homem. Ontologicamente, Pai, Filho e Espírito Santo são iguais em honra, glória, poder, majestade, como afirmam nossas confissões reformadas.

[2] Veja minha interpretação desta passagem e de outras no artigo da Fides Reformata “Ordenação Feminina”.

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