O jovem e intrépido pastor norte-americano Paul Washer, a quem Deus tem usado de maneira extremamente poderosa na proclamação do seu gracioso e salvífico evangelho, proferiu, recentemente, na América, uma série de sermões intitulados Dez Acusações Contra a Igreja Moderna, recentemente transformados num opúsculo publicado pela Editora Fiel.
Ao proferir tais mensagens profundamente contundentes e desafiadoras, não o fez Paul Washer, contudo, na posição de quem, como juiz e de dedo em riste, levantou-se, arrogantemente, para desancar a bendita igreja do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Nada poderia estar mais longe da verdade dos fatos. Assumindo-se como um profeta comissionado por Deus para anunciar a sua Palavra de modo rigorosamente fiel a uma geração de crentes que a passos largos tem se afastado da “simplicidade devida a Cristo” (2Coríntios 11.3b), Paul Washer procurou agir de forma humilde, mas firme, repetindo aquela atitude tomada por Neemias, quando se colocou nas mãos do Senhor como um instrumento para a restauração da cidade de Jerusalém, que estava completamente arruinada, com as suas portas e muros derrubados e destruídos pelo fogo.
Ao se posicionar diante de Deus como um autêntico sacerdote, que leva ao Senhor as necessidades mais prementes dos homens, Neemias, em ardente oração, assim se expressou: “Temos procedido de todo corruptamente contra ti, não temos guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízes que ordenaste a Moisés, teu servo” (Neemias 1.7). Embora individualmente não tivesse pecado contra Deus, Neemias, em sua confissão, não se isenta de responsabilidades, antes, compreendendo a rigorosa dimensão comunitária de que se reveste o modo de ser e de existir do povo de Deus, inclui-se no pecado coletivo, e roga ao Senhor, com humildade, perdão e restauração.
É desse mesmo modo, e com esse mesmo espírito, que vislumbro as dez acusações contra a igreja moderna, formuladas pelo arrojado ministério pastoral de Paul Washer, uma séria e urgente advertência a uma igreja que, a pouco e pouco, em sua compleição institucional, tem comprometido a sua identidade, teologia e missão na terra, roçando já, e em alguns casos completamente envolta, naquilo que Paulo chamou, contundentemente, de “outro evangelho” (Gálatas 1.6b).
Começam as acusações de Paul Washer pela negação da suficiência das Escrituras Sagradas, grave pecado de certos segmentos da igreja moderna. Quando volvemos os nossos olhos para a Reforma Protestante, vemos que uma das bandeiras mais solenes hasteada por ela foi o do SOLA SCRIPTURA, afirmação da completa supremacia da Palavra de Deus no âmbito da vida da igreja: regra única de fé e de prática para a vida do servo de Deus. O brado dos reformadores emergiu num contexto em que a Palavra de Deus estava sendo suplantada por tudo e todos: pela tradição, pela palavra dos papas, pelos grandes vultos da igreja.
Nessa quadra de visível apequenamento da Palavra de Deus, a Bíblia era apenas uma autoridade, dentre tantas outras existentes, muito mais apreciadas e cridas. Sem desprezar as demais autoridades, os reformadores, em alto e bom som, proclamaram que as Escrituras Sagradas eram a única autoridade inerrante, inspirada, infalível e suficiente para a igreja, e para o ser humano de modo geral, em matéria de fé, ética, moral e espiritualidade. À Escritura nada deveria –deve- ser acrescentado.
A igreja moderna, contudo, tem tropeçado, feio, nesse quesito, ao diminuir a suficiência da Palavra revelada de Deus e, ato contínuo, apelar, misticamente, para o perigoso expediente das novas revelações. E não somente isso: em muitos círculos ditos cristãos, a psicologia, o marketing, e outras metodologias humanistas de há muito substituíram a eficácia da Palavra de Deus. Que o digam alguns proponentes do badalado ministério de crescimento de igreja. Voltemos, pois, ao primado da suficiência da Escritura, princípio formal da Reforma Protestante, por meio da qual Deus chama, guia e preserva, eternamente, o seu povo.
A segunda acusação formulada por Washer incide sobre a crassa ignorância que, por vezes, a igreja tem exibido acerca do Deus que ela diz conhecer, servir e adorar. Nesse ponto, Deus sempre foi, e é, extremamente zeloso, tanto é assim que em sua redentiva revelação ao povo de Israel, no primeiro e segundo mandamento outorgados, no meio de um monte que fumegava, Ele disse: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra” (Êxodo 20.1,2).
O modo como Deus se revela ao seu povo é marcado por impressionante precisão. Ele, num primeiro momento, relembra ao seu povo que é o Deus da aliança, que, soberanamente, interveio em favor do seu povo, libertando-o da miserável escravidão imposta pela tirania egípcia. Depois, Ele passa a prescrever a maneira como quer e exige ser adorado. Essas orientações são explicitamente dadas pelo Senhor, dado que, “fábrica de ídolos”, conforme pontuou João Calvino, nosso coração está sempre propenso a forjar deuses à imagem e semelhança das nossas pecaminosas elucubrações mentais.
O Deus da Escritura é três vezes santo, todo-poderoso, soberano, desde toda a eternidade preordenou, para o seu louvor e glória, todas as coisas que existem e acontecem. Fazendo um breve cotejo entre esse majestoso ser, e o que tem sido, caricaturalmente, esculpido por certos púlpitos modernos, será que não avulta uma abismal diferença? O Deus de certo cristianismo moderno, se olhado um pouco mais de perto, não passa de uma espécie de garçom cósmico, sempre pródigo a, num estalar de dedos, satisfazer a todos os caprichos de uma geração de crentes que, vergonhosamente, tem trocado a gloriosa condição de incondicionais adoradores de Deus, pela de consumidores egoístas das suas bênçãos, de preferência, claro, as que incidem no campo do bem-estar material. Voltemos, pois, ao Deus grandioso das Escrituras e, como o salmista Davi, proclamemos: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade” (Salmo 8.1).
A terceira acusação relaciona-se ao diagnóstico deficiente e suavizado que certos pregadores modernos têm feito sobre a condição espiritual do homem. Dizem que uma das razões que fizeram com que a igreja oficial da Inglaterra fechasse as suas portas para George Whitefield foi porque diziam que as suas pregações estavam enlouquecendo as pessoas que as ouviam. E a razão para tal “loucura” era bem simples. No lugar das agradáveis pitadas de auto-ajuda, e das preleções otimistas e crédulas quanto à capacidade do homem de mudar a sociedade por meio do seu imenso “potencial de bondade”, Whitefield e outros pregadores da sua estirpe, em direção oposta, apontavam para a depravação do coração humano, a inimizade contra Deus neles imperante, a impiedosa escravidão do pecado que os mantinha cativos, por fim, para o justo e iminente juízo de Deus que, inapelavelmente, recairia sobre eles, e os levaria ao inferno, onde suas almas sofreriam o horror do eterno banimento da presença de Deus, a menos que, arrependidos e humilhados, se lançassem aos pés do Filho de Deus.
Foi com essa mensagem que, pelas mãos de Paulo, Deus fez coisas extraordinárias na cidade de Éfeso. Certo sermonário do evangelicalismo moderno parece querer tratar câncer em estado terminal com esparadrapo; cadáver malcheiroso com alfazema diluída. Voltemos, pois, ao evangelho que diz que o impossível aos homens é possível para Deus, cuja Palavra esmigalha a penha mais dura, e cujo Espírito concede vida a uma alma morta em delitos e em pecados. Charles Spurgeon, o príncipe dos pregadores, dizia que Deus a ninguém reveste com a sua justiça, sem antes o aguilhoar com a sua lei. Que necessidade terá de arrependimento uma pessoa que ouve uma pregação que somente exalta a sua bondade moral e suficiência espiritual? Nenhuma.
A quarta acusação diz respeito a uma compreensão deformada acerca da natureza essencial do evangelho de Jesus Cristo. Decididamente, aqui reside um dos maiores flagelos da igreja evangélica moderna, facilmente detectável. Ouçamos os evangelistas da televisão e tiremos as nossas conclusões. Eles, com raríssimas exceções, falam de tudo, menos do evangelho de Jesus Cristo. Eles ensinam como as pessoas podem prosperar; apregoam, sensacionalisticamente, toda espécie de curandeirismo; discorrem sobre leis espirituais para se conquistar tal coisa, alcançar isto ou aquilo; destilam regrinhas para se conseguir e manter um casamento feliz; revelam estratégias para salvar empresas a beira da falência; e, por último, mas não menos importante, são peritos em arrancar dinheiro de pessoas propensas a dar crédito a tudo que lhes é (des)ensinado.
E a justificação somente pela fé, por onde ela anda? E a regeneração somente passível de ser operada pelo Espírito Santo de Deus, por que ela desapareceu dos nossos púlpitos? E a doutrina do arrependimento e fé salvadora, o que fizeram com elas? E a loucura da pregação simples, ancorada na obra que Jesus Cristo realizou na cruz do calvário, por que a estão substituindo vergonhosamente pela falida sabedoria humana? E a bem-aventurança eterna que aguarda os salvos, por que não se prega mais sobre ela? E a dolorosa, mas real, perdição eterna, destino final dos que, amantes do pecado, se mantiverem rebeldes ao senhorio de Cristo, ninguém tem mais de coragem de proclamar que tal doutrina é absolutamente bíblica e verdadeira?
Bem, se formos honestos, teremos de admitir que o genuíno evangelho bíblico tem-se tornado, em alguns círculos, uma verdadeira exceção, jamais a regra santa e simples que deve reger o Israel de Deus. Voltemos, pois, ao evangelho da graça de Deus e “das insondáveis riquezas de Cristo Jesus”.
A quinta acusação direciona-se ao convite antibíblico que certos segmentos da igreja moderna têm feito aos pecadores. Na Escritura Sagrada, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, a Palavra de Deus, quando endereçada ao pecador, tinha uma indesviável finalidade: levá-lo ao arrependimento, ao abandono da iniqüidade e, ato contínuo, a uma atitude de irrestrita confiança em Deus, traduzida por uma vida de santificação crescente e compromisso indeclinável com os santos valores e mandamentos do reino de Deus.
A realidade, entretanto, mudou, e, infelizmente, para pior. Agora, certos pregadores comprazem-se com adocicados e tópicos sermões, sem sangue, sem cruz, sem confrontação de espécie alguma com o pecado, ao final dos quais, as pessoas são convidadas para levantar uma das mãos, ir à frente, fazer uma oração mais ou menos padronizada, dar uma “chance para Jesus”, aceitando-o como o seu Salvador pessoal. Não admira, pois, que tal convite ao pecador, tão desfigurado teologicamente, produza mais convencidos que convertidos; mais adesistas a um clube religioso que gente nascida de novo pela sobrenatural ação do Espírito Santo.
Um conhecimento acerca da história da igreja, mesmo sem exaustividade, vai mostrar-nos, claramente, que essas formas emocionalizadas de se anunciar o evangelho nunca fizeram parte do ministério dos apóstolos, dos pais da igreja, dos reformadores e puritanos. Provavelmente, tais metodologias foram infiltradas na igreja pela maléfica ação de um pregador pelagiano chamado Charles Finney, defensor intransigente da conversão como um ato produzido pelo poder do pecador, que se voltava para Cristo na hora em que bem quisesse. Voltemos, pois, à pregação que não hesita em anunciar todo o conselho de Deus, e que confia que a portentosa obra de ressurreição de uma alma morta em pecados é tarefa indisputável do Espírito Santo, pela instrumentalidade da pregação genuína, e não de técnicas manipulatórias a serem manuseadas por pregadores humanistas e psicologizantes. SOLI DEO GLORIA.
JOSÉ MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
eu tambem penso assim mas hoje em dia as coisas mudaram mesmo e temos que pregar a verdade nem que tenha que perder a vida pra isso
ResponderExcluir