O LADO BONITO E O LADO FEIO DO NATAL
Basta o mês de dezembro despontar no horizonte, para as pessoas começarem a falar que um clima novo de convivências e interações se instalou no ar. É a chegada do natal, do lado bonito do natal, festivo, ruidoso, contagiante. As casas, as ruas e as cidades se vestem de roupas novas, coloridas, num cromatismo multiplicado pelos mais variados tipos de decoração. Roupas novas principiam a desfilar por todos os lados. Confraternização se transforma na palavra da moda. Muitas vezes, mais confraternizações de momento que momentos de confraternização. Ceias refinadas são dispostas nas mesas da opulência. Presentes e mais presentes são permutados. Correspondências atravessam as geografias. Viagens são programadas para os mais longínquos territórios. A festa torna-se o paradigma comportamental predileto da maioria dos ajuntamentos humanos. Músicas tocantes irradiam nos mais variados ambientes, criando um fascinante clima de afetividade e comoção. Esse é o lado bonito do natal, celebrado, cultural e universalmente, por quase todos os homens.
Mas, atentemos com muita seriedade, há um lado feio, sombrio, indesejado, do natal, sobre o qual pouco ou quase nada se fala; o qual, entretanto, é a sua indesviável essência, seu coração intocável. Enquanto os seres humanos não se debruçarem sobre ele, ainda que a contragosto, prosseguirão, anos a fio, no cultivo de uma ilusão aparentemente bonita, mas extremamente grave em sua falácia e desconexão com a dura e verdadeira realidade bíblica sobre o efetivo significado da encarnação do Filho de Deus.
A pergunta que não deveria silenciar nunca em nossas consciências é a seguinte: por que Jesus Cristo, o eterno e glorioso Filho de Deus, deixou o seu domicílio celestial e veio nascer e viver neste mundo caído e amaldiçoado por Deus, num estado de suprema humilhação e, depois, ser morto, de modo ultrajante, numa cruz de horrores? Foi para dar-nos edificantes exemplos de como nos comportarmos no mundo? Foi para estimular-nos a despertar o imenso potencial de bondade que há em nós? Foi para revelar-nos a essência de uma entidade meio fantasmagórica chamada, misticamente, de “espírito de natal”?
A resposta é absolutamente simples e contundente: não! Jesus Cristo fez-se homem por causa da miséria do nosso pecado; porque, tendo sido criados à imagem e semelhança de Deus, e com o fito maravilhoso de vivermos para o seu louvor glória, nós fizemos mau uso da liberdade original com que fomos criados; e, em Adão e Eva, rompemos com o nosso criador; rebelamo-nos contra a sua indisputável prerrogativa de governar todas as coisas, sobretudo a nossa existência; quebramos, acintosamente, a sua ordenança; levantamos contra o Senhor as nossas mãos cheias de ódio e de sangue; pecamos contra o Rei supremo do universo; traímos o nosso benfeitor sublime; tornamo-nos pecadores corruptos, depravados em todas as dimensões constitutivas do nosso ser; morremos espiritualmente; expusemo-nos à justa ira de Deus; e, conclusão dessa deprimente senda de iniquidade, tornamo-nos sumamente merecedores do inferno, lugar tenebroso para onde serão mandados os povos e nações que se esquecem de Deus e vivem como se ele não passasse de um desvalioso e distante detalhe.
A narrativa inspirada do livro de Gênesis, relato das origens de todas as coisas, afirma, de maneira extremamente poética, que, no crepúsculo de cada dia, Deus procurava A dão e Eva para o encontro plenificador e ratificante de uma comunhão que se pretendia irrasurável. Num trágico dia, entretanto, dia em que o pecado entrou no mundo, pela desobediência dos nossos primeiros pais, a chegada do Senhor ao Jardim do Éden ganhou surpreendentes contornos. No lugar da espera anelada do casal Adão e Eva, a fuga inútil e apavoradora. No lugar de corações alegres e prontos para a contumaz adoração vespertina, o tormento de consciências envergonhadas pela transgressão cometida e vergadas pela culpa real dela decorrente. No lugar da integridade de um ser, cuja mente, afetos e vontade estavam inteiramente harmonizados com os ditames emanados da boca do Senhor, o que temos, agora, é um ser caído, cuja práxis procedimental consiste em transferir responsabilidades, nunca em assumi-las, postura bastante comum em nossos dias, abarrotados de pessoas sempre pródigas em encontrar no outro, pais, governo, amigos, nunca em si mesmas, a razão primacial dos seus flagelos.
A sentença interrogativa bíblica, segundo a qual: “De que queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados” (Lamentações de Jeremias 3.39), tem sido cada vez mais, inobservada, dado que, em vez de assumir-se como um ser moralmente responsável diante de Deus, o homem prefere, pecaminosamente, bancar a figura de uma mera vítima do sistema. Diante da vergonhosa queda da obra-prima da sua criação, Deus poderia, se assim quisesse, ter decretado a morte eterna de todos, pondo em exercício, tão somente, a sua justa justiça. No entanto, incompreensível e amorosamente, decidiu da massa gigantesca de seres rebeldes e depravados, salvar o seu povo. Para tal, estabeleceu, nos invisíveis bastidores da eternidade, o Pacto da Redenção, no qual e do qual participaram as três pessoas da santíssima Trindade. O Pai, elegendo pecadores para a salvação. O Filho, decidindo salvá-los, eficazmente, por meio de sua morte substitutiva na cruz do calvário e de sua ressurreição gloriosa. O Espírito Santo, aplicando no coração dos eleitos os resultados da vitoriosa obra por Jesus Cristo realizada.
Vê-se, pois, que o nascimento de Jesus Cristo está, umbilicalmente, ligado à mazela do pecado humano; à hediondez das nossas abomináveis iniquidades; ao incontornável espólio das nossas vis perversidades. Esse é o lado indisfarçavelmente feio e sombrio do natal. É a chaga malcheirosa da nossa realidade moral e espiritual diante de Deus, que, frequentemente, nós preferimos maquiar com o imprestável esparadrapo das nossas boas intenções; das nossas falidas e supostas boas obras, por Deus classificadas como “trapos de imundície”, de acordo com a percepção suramente realista do profeta Isaías.
No lugar desse natal diagnosticador do nosso terrível pecado, a ponto de levar o Filho de Deus a humilhar-se até a morte, e morte de Cruz, como sinaliza o apóstolo Paulo na epístola que endereçou aos irmãos da cidade de Filipos, privilegiamos, vezes sem conta, o natal humanista dos folguedos, das comelanças, dos gastos estraçalhadores dos apertados orçamentos, das passagens de ano regadas a vinho, champanhe e congêneres. Das expressões espetacularizadas de solidariedade.
Em face de tudo isso, o ponto mais importante não é saber se Jesus Cristo nasceu na cidade de Belém, mas sim se, pela obra regeneradora do Espírito Santo, ele já nasceu e reina como Senhor absoluto, em nossos corações. Não é saber se ele é o Salvador vago e inobjetivo da humanidade, mas sim se ele é o meu Salvador pessoal; se os meus pecados já foram perdoados; se o meu coração já é, de fato, morada da paz; não a que se confunde com um estado de espírito meramente subjetivo e existencial, mas sim a que é resultado objetivo de uma justiça que, sendo de Jesus Cristo e decorrente da sua obra sacrificial no calvário, é, graciosamente imputada aos que, ao receberem o dom da fé salvadora, creem em Jesus Cristo e a ele são unidos definitivamente.
Sem essa compreensão bíblica acerca do real sentido do nascimento do Filho de Deus, continuaremos, ano após ano, a celebrar, idolatricamente, um cerimonialismo vazio, que, como tudo o que não se compatibiliza com as Escrituras Sagradas, tem como finalidade primordial, tão somente, afastar-nos da verdade absoluta do Senhor, a única que nos ilumina, dissipa as trevas do nosso coração e revela-nos não somente quem é o Deus único, vivo e verdadeiro, mas, de igual modo, a maneira correta de amá-lo, servi-lo e adorá-lo em espírito e em verdade, conforme nos ensinou o nosso amado Senhor e Salvador Jesus Cristo.
JOSÉ MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
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