Crente pode julgar?


Em uma época em que muitos ensinos contrários a Bíblia Sagrada são propagados em nossos púlpitos e igrejas, posso perceber que dentre eles existem alguns que são usados com dolo por parte daqueles que o pregam, intentando realizar uma defesa própria em pleno Altar Eclesiástico.

Um destes ensinos (tão propagados) é o que concerne à questão de poder o crente julgar ou não o seu próximo, seu irmão e o seu meio como um todo. É comum ouvirmos em nosso meio os pregadores falarem com total “autoridade bíblica”: “Irmãos, não julgueis para que não sejais julgados! Aleluuuuuuuuuuiiiiiiiaaaaaaa!!”; em outros casos vemos frases como: “Quem é você para julgar os outros?”, e por aí vai!

Mas afinal de contas, o crente pode ou não pode julgar?

Não, o crente não pode julgar, ele DEVE julgar tudo o que se houve e se vê em nossas igrejas. Esta é a doutrina bíblica concernente ao assunto.

Alguns “eixegetas” evangélicos, tirando conclusões precipitadas de textos como Mt 7:1-5; Lc 6:37,38; Rm 14:4,10 e 1 Co 11:31, estes pregadores e ensinadores acabam concebendo uma má formação para aqueles crentes não abalizados na Palavra de Deus.

Para uma primeira análise e subsídio do leitor, deixo a definição dos três termos gregos que tratam sobre julgamento. Para tal farei uso da definição dos mesmos conforme o Dicionário “A Concise Greek – English Dictionary of The New Testament”:

κρινω - krino – julgar, passar julgamento, ser julgado, condenar, decidir, determinar, considerar, estimar, pensar e preferir; cf. Jo 7:24; At 4:19; 13:27; 21:25; 23:67; 24:21; Rm 2:27; Tg 5:9.

ανακρινω - anakrino – questionar, examinar (estudar as escrituras como em Atos 17:11), julgar, avaliar, sentar-se para julgar ou em juízo, convocar para prestar contas; cf. At 17:11; 1 Co 2:14,15; 4:3,4; 9:3; 10:25,27; Gl 2:11-14.

διακρινω - diakrino – avaliar, julgar, reconhecer, discernir, fazer distinção entre pessoas, considerar-se ou fazer-se superior a outras pessoas (ver 1 Coríntios 4:7), duvidar, hesitar, disputar, debater, tomar lado ou partido; cf. At 15:9; 1 Co 6:5; 11:31; 14:29.

A Bíblia é clara quanto à nossa obrigação de realizarmos um juízo de tudo o que vemos e ouvimos em nossas igrejas, tudo mesmo. Devemos suscitar uma mentalidade mais crítica do Povo de Deus; claro que esta crítica e análise deve ser sempre embasada na Palavra de Deus, que é a nossa Carta Magna, nosso Manual de Vida e Fé. Todo e qualquer julgamento que fugir aos padrões estabelecidos na Palavra de Deus com certeza será falho e injusto.

Já no Antigo Testamento vemos exemplos de homens de Deus julgando seu meio. Lembremo-nos logo de Abraão, em sua conversa com Deus relatada em Gn 18:24-32, onde o Patriarca judeu pede que Deus não destrua Sodoma se ele achasse naquela cidade 50 homens justos, sendo que Deus concorda em não destruir a cidade pelo amor aos 50; logo em seguida Abraão pensa direito e reduz o número do pedido para 45, e Deus concorda em poupar a cidade por amor aos 45; a conversa continua e Abraão vai analisando a situação dos “homens” de Sodoma e pede para diminuir o número para 40, depois para 30, depois 20 e por último Abraão já tava pedindo para achar apenas 10 justos em Sodoma (para quem começou com 50...). Percebemos claramente Abraão realizando um julgamento dos habitantes de Sodoma, taxando-os de ímpios e pecadores; e Deus não o repreendeu por isso, pois sabia que esta era a verdade dos fatos.

E o que falar de Jeremias, quando ele diz em Jr 5:30,31: “Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra: os profetas profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo. Porém que fareis quando estas coisas chegarem ao seu fim?”. Que coisa! Jeremias rasgou mesmo a podridão que estava reinando em Israel! Ele simplesmente disse que os profetas eram mentirosos, que os sacerdotes (líderes religiosos) governavam de mãos dadas, ou seja, eles diziam mais ou menos assim em minha humilde conjectura: “vamos gastar os dízimos e as ofertas ao nosso favor; eu ponho seu filho como chefe de tal setor e você põe meu sobrinho como chefe do setor tal”; por fim Jeremias julga o povo dizendo que eles compactuavam com este cenário deplorável e corrupto.

É notório a todos os leitores atentos da Bíblia Sagrada que Deus mandava mesmo os profetas julgarem ao seu povo. Basta lermos, dentre inúmeras referências, textos como Ez 13 e Is 59:7,8.

O salmista orou da seguinte maneira: “Ensina-me bom juízo e conhecimento, pois creio nos teus mandamentos” Salmo 119:66.

E no Novo Testamento é que vemos exemplos de homens de Deus julgando ao seu meio. Fico pensando o que estes pregadores atuais diriam de João Batista, ao ouvir o profeta chamar os judeus de raça de víboras (Mt 3:7; Lc 3:7).

E o que falar de Paulo? Quem conhece as suas cartas sabe que ele foi um dos maiores julgadores cristãos de toda a história. Lembremo-nos apenas das palavras do Apóstolo dos gentios em 1 Co 6:2-5: “Ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deverá ser julgado por vós, sois, acaso, indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos? Quanto mais as coisas desta vida! Entretanto, vós, quando tendes a julgar negócios terrenos, constituís um tribunal daqueles que não têm nenhuma aceitação na igreja. Para vergonha vo-lo digo. Não há, porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade?”. Palavras claras. Não posso esquecer de citar Gl 2:11-14, onde Paulo dá uma senhora censurada em Pedro, além de lhe dar uma básica doutrinação também. Ver ainda 1 Co 5:12. Ver também 1 Co 14:29, onde Paulo manda a igreja julgar as profecias.

O próprio Pedro em At 4:19 desafia os judeus para que os mesmos julgassem a questão religiosa entre eles e os seguidores de Cristo, tendo em mente que se eles realizassem um julgamento imparcial e bíblico seriam convencidos da messianidade de Jesus. Pedro mandou os judeus realizarem um julgamento.

E o que dizermos da conclusão de Tiago sobre o rito mosaico, onde o mesmo diz em At 15:19: “Por isso julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus”. Poxa vida, como é que pode, Tiago, um servo de Deus, realizando um julgamento. Com certeza ele também seria censurado por estes pregadores convencionais da atualidade.

E Jesus, o que ele nos mostrou sobre o julgar? Jesus nos ensinou que devemos sim julgar. Vejam bem o que Jesus disse e ficou registrado em Jo 7:24: “Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça”. Que interessante. O próprio Cristo nos manda julgar, mas julgar segundo a reta justiça. E o que seria essa reta justiça? Jesus responde em Jo 12:48: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia”. Vejam que Cristo não censura o ato de julgar, mas censura um julgamento injusto, apenas pela aparência, tendencioso, cego.

O julgamento deve ser realizado sob a ótica das Sagradas Escrituras, e todos, sem exceção, estão sob a jurisdição deste julgamento. É o que vemos em At 17:11, onde os crentes de Beréia sempre colocavam as palavras de Paulo e Silas sob o crivo das Escrituras, sendo que os mesmos foram elogiados por Paulo em virtude deste sublime ato. Vejam que o próprio Paulo, expoente maior da teologia cristã de todos os tempos, teve suas palavras julgadas sob o crivo da Palavra de Deus, imagine os “teólogos” de hoje em dia. Misericórdia!

Jesus em Lc 7:43 elogia Simão, pelo fato do mesmo ter realizado um julgamento correto. Ainda em Lc 12:57 Jesus desafia as multidões a julgarem por si mesmas o que é justo. Jesus ainda prometeu aos apóstolos que eles se assentariam sobre 12 tronos para julgarem as 12 tribos de Israel (Mt 19:28).

Por fim, em Ap 20:4a João diz: “E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar”.

Quanto aos textos de Mt 7:1-5; Lc 6:37,38; Rm 14:4,10 e 1 Co 11:31, se os mesmos forem analisados cuidadosamente, o leitor perceberá que não há nenhuma censura ao fato de julgar sob a ótica bíblica, mas sim ao fato de se julgar erroneamente, pela aparência, julgar com hipocrisia.

Em Mt 7:1 está escrito “NÃO julgueis, para que não sejais julgados”; oras, todos os leitores da Bíblia sabem que todos (crentes ou não) serão julgados por Deus (At 17:31; Rm 14:10; 1 Pe 4:17; Ap 20:13). Oras, pensar que se não executarmos nenhum juízo nesta terra contra ninguém nos livrará do julgamento de Deus é, no mínimo, uma inocência bíblica muito grande. O que Jesus censurou em Mt 7:1 foi a hipocrisia, é o que se aprende ao ler os versos seguintes, do 2 ao 5: “Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão”. Jesus censurou um julgamento proferido por alguém que está com o mesmo ou com outro pecado que o não permite a realizar o julgamento do irmão. No verso 2 Jesus apenas reforça a lei da semeadura de Gl 6:7, sendo que quem julgar injustamente, com certeza também será julgado injustamente pelos outros nesta vida. Todo este capítulo aqui exposto é reiterado em Lc 6:37,38; é a mesma coisa.

O caso de Rm 14:4,10 trata apenas do caso em que um irmão julga a outro (que está em pé) como se estivesse caído. Nada mais do que isso. Em 1 Co 11:31 Paulo apenas trata do julgamento que ele próprio estava proferindo contra os irmãos de Corinto, por causa das dissensões e mal celebração da Ceia do Senhor. Paulo disse que se eles houvessem se julgado, analisado as suas atitudes anteriormente, não estariam passando por este julgamento (repreensão) por parte do apóstolo, pois com certeza eles teriam percebido seus erros e teriam eles mesmos se corrigidos.

Que o Senhor abençoe a todos os seus, dando graça e sabedoria para melhor proveito do Reino dos Céus aqui na terra, e para honra e para glória do seu Eterno Nome. Amém.

Anchieta Campos

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