Sobre Palhaços e Pastores

 
Hermisten M.P. Costa

Certa vez, um circo se instalou próximo de uma cidadezinha dinamarquesa. Este circo pegou fogo. O proprietário do circo vendo o perigo do fogo se alastrar e atingir a cidade mandou o palhaço, que já estava vestido a caráter, pedir ajuda naquela cidade a fim de apagar o fogo, falando do perigo iminente. Mas, inútil foi todo o esforço do palhaço para convencer os seus ouvintes. Os aldeões riam e aplaudiam o palhaço entendendo ser esta uma brilhante estratégia para fazê-los participar do espetáculo... Quanto mais o palhaço falava, gritava e chorava, insistindo em seu apelo, mais o povo ria e aplaudia... O fogo se propagou pelo campo seco, atingiu a cidade e esta foi destruída. (1)
De forma semelhante, temos nós muitas vezes apresentado uma mensagem incompreensível aos nossos ouvintes, talvez porque ela também seja incompreensível a nós. As pessoas se acostumaram a nos ouvir brincar tanto com as coisas sagradas, que não conseguem descobrir o sagrado em nossas brincadeiras. Alguns de nós pregam como se estivessem no picadeiro. Por outro lado, nossos ouvintes, por não perceberem a diferença entre o palhaço e profeta, reforçam este comportamento mutante através de um aplauso até mesmo literal. Deste modo, a profecia (pregação) torna-se motivo de simples gostar ou não gostar e o circo perde um de seus talentosos componentes. Assim, sem nos darmos conta, estamos compactuando com a indiferença de nossos ouvintes, que, de certa forma, estão “cansados” da palavra “Evangelho”, sem que na realidade, nunca tenham sido ensinados a respeito do Evangelho de Cristo. A avaliação da mensagem pregada fica restrita ao gostar ou não do ouvinte. Se gostei foi boa, se não, é ruim. Criamos uma categoria arbitrária do que de fato é verdadeiro ou não a partir do gosto, como se este também não fosse afetado pelas consequências do pecado. Na realidade, o gostar ou não deve estar subordinado ao exame das Escrituras (At 17.11). Procedendo assim, descobriremos, para surpresa nossa, o quão o nosso gosto pode ser pecaminoso e inconsequente.
O Evangelho é uma mensagem acerca de Deus – da Sua Glória e de Seus atos salvadores –, acerca do homem – do seu pecado e miséria –, acerca da salvação e da condenação condicionada à submissão ou não a Cristo como Senhor de sua vida. Esta mensagem que envolve uma decisão na História, ultrapassa a História, visto ter valor eterno. Portanto, não podemos brincar com ela, não podemos fazer testes: estamos falando de vida e morte eternas (Jo 3.16-18).
Parece-me correto o comentário de Vincent quando diz que “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado.” (2) É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo; não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar: “O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números frequentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.” (3)
Devemos nos lembrar de que o pregador não “compartilha” opiniões nem dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, ele prega a Palavra. O seu objetivo é expressar o que Deus disse através de Seus servos. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o Seu povo.
 O púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.” (4) Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
 Albert Martin apresenta uma crítica pertinente; ele diz: “O esforço desnatural de certos pregadores para serem ‘contadores de piadas’, entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar. A transição de um palhaço para um profeta é uma metamorfose extremamente difícil.” (5)
(...)
Imaginem um jovem entre centenas de outros, ansiosamente procurando seu nome nas listas afixadas nas paredes na universidade a fim de saber se foi aprovado ou não no vestibular. De repente surge um amigo com um sorriso largo e com os braços abertos, dizendo: “parabéns, você foi aprovado”. O jovem dá-lhe um abraço apertado, pula, grita, ri, chora, comemora... Depois de alguns minutos de euforia, aquele “amigo” diz: “É brincadeira; seu nome não consta entre os aprovados”. Se você fosse aquele vestibulando, como reagiria? Pense nisto: Se você corretamente não admite brincadeiras com coisas sérias, o Evangelho, que envolve vida e morte eternas seria passível de brincadeiras, de gracejos? A pregação é assunto para profetas, não para palhaços. Pensemos nisso.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa é professor de Teologia Sistemática e Teologia Contemporânea do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição e integra a equipe de pastores da Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo.

Notas:
(1) Esta parábola é contada por Kierkegaard (1813-1855) e aplicada nas obras de Harvey Cox, (A Cidade do Homem2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1971, p. 270) e J. Ratzinger (Introdução ao Cristianismo, São Paulo, Herder, 1970, p. 7-8). Todavia a aplicação que ambos fazem é divergente entre si. E a que faço é diferente da de ambos.
(2) Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament, Peabody, MA., Hendrickson Publishers, [s.d.], Vol. 4, (2Tm 4.3), p. 321.
(3) Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 27.
(4) A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry,2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189.
(5) Albert N. Martin, O Que há de Errado com a Pregação de Hoje?, São Paulo, Fiel, (s.d.), p. 23.

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