A carta de Clemente de Roma



RESENHA
Por Frank de Melo Penha

ROMA, Clemente de. Carta aos Coríntios. Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995, 360pp – Patrística. Tradução de Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin.

Esta obra se reveste de caráter relevante para nós a começar pelo fato de ter sido o primeiro escrito original pós-apostólico a chegar a nossos dias, além desta importância histórica, do ponto de vista teológico e prático da igreja também existem pontos importantíssimos que são tratados quase que de forma incidental, que aproxima quase todo cristão que detém para si uma ótica evangélica e reformada. Ainda em consulta eletrônica feita ao Rev. Alderi de Sousa Matos, historiador oficial da IPB, o mesmo entre outros comentários salienta a relevância de tal carta: “A importância desse documento é óbvia: é o mais antigo documento cristão ortodoxo posterior ao Novo Testamento; sendo escrito a uma igreja Apostólica (Corinto)”.
O Autor se apresenta como Clemente e este falando em nome da Igreja de Roma (p.21), sobre o autor um grande Historiador da Igreja, Philip Schaff, em sua obra magma, Historia da Igreja Cristã, volume 2, pg. 637, apresenta duas teses principais sobre quem era este Clemente Romano, a primeira seria que ele era o Clemente citado na Carta de Paulo aos Filipenses (Fp 4:3); a segunda, que era um membro da distinta família da casa imperial, a família Flaviana. A igreja católica romana coloca-o como sucessor de Anacleto como quarto papa, porém cremos que na época em questão (ano 81-96) esta divisão que futuramente ocorrerá entre os ofícios de bispo e presbítero ainda não estava consolidada dada a proximidade com os escritos apostólicos onde essa divisão não se perfaz, veja que ao citar os oficiais instituídos pelos apóstolos Clemente fala apenas de Bispos e diáconos, inclusive Shaff ao comentar essa questão afirma que Clemente era provavelmente um co-presbítero junto com Lino e Anacleto. Um coisa que se pode dizer do autor com certeza é que ele era um grande discípulo de Pedro e Paulo, citando como exemplos a serem seguidos (p.27).
Provavelmente esta carta foi escrita no ano (81-96 d.c), no reinado de Domiciano, o qual moveu grande perseguição da igreja, o autor pode estar se referindo a isso logo no ínicio da sua carta ao falar que “desgraças e adversidades imprevistas...nos aconteceram uma após outra...”(p.23).
Quanto a motivação da Carta vemos que as divisões que Paulo tanto combateu (1Co 1:10-12) se arvoraram outra vez na Igreja de Corinto. Clemente parece indicar que tais divisões passaram ausentes por um período ao falar que no passado os coríntios consideravam “toda briga e divisão eram abomináveis” e eles “choravam por causa das faltas do próximo...”(p.25).
Fato é que esses partidos voltaram a aflorar e Clemente como movido por um sentimento fraterno escreve exortando aqueles irmãos a unidade citando virtudes a serem praticadas, para isso ele cita exemplos do velho e novo testamento (p.26,27) exorta contra a inveja (p.26), ao arrependimento (p.28), a obediência e a fé (p.29), a humildade e mansidão (p.32) e a paz e a concórdia (p.38). Daí traça-se uma segunda divisão na Carta onde o Autor procura demonstrar a fidelidade de Deus para com os Retos (pg.40), onde ele afirma que os desejos de Deus sempre se cumprem (pg.41), fala do poder de Deus na ressurreição de Cristo (pg. 41). Voltando a temática da unidade e subordinação mútua numa terceira divisão que na realidade se estende por todo o restante do livro. (pg. 50), importante se faz notar que esta unidade apresentada por Clemente, não é uma unidade que deve ser realizada a qualquer preço, pois ele afirma que é “melhor estar em conflito com homens sem bom senso, soberbos e jactanciosos em seus arrogantes discursos, do que estar em conflito com Deus” (p.39).
Entre os pontos importantes que vemos aqueles que seguem um linha evangelical reformada não podemos deixar de notar a ênfase dada pelo autor na graça e soberania de Deus, vemos um constante uso que clemente faz da designação “eleitos de Deus” para se referir aos coríntios (p.23,24,27, 57 duas vezes,58,59,60,64, 65, 70), afirmando que eles foram escolhidos por meio de Jesus Cristo (p.59), sendo eleitos para sermos o seu povo particular dentre todos os espíritos e seres vivos (p.70). Necessário se faz também observar a primeira declaração pós-apostólica sobre a Justificação, uma declaração que mostra como a teologia bíblica da salvação e justificação enviada a Roma por meio de Paulo quando escreve a sua Carta aos Romanos, estava latente, cristalina e brilhante aos olhos de Clemente, quando fala que a origem última de nossa justificação, ele declara que esta justificação não é alcançada “por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, inteligência, nem nas obras que realizamos com pureza de coração, mas pela fé e é por ela que Deus justificou todos os homens desde as origens “(p.46).
Diante de tais temas e do espírito evangelical e apostólico do autor poderíamos argüir porque a igreja posteriormente não inseriu no cânon tal escrito. Certamente a Soberania de Deus quanto a escolha e inspiração se faz essencial, do ponto de vista do texto em si geralmente os escritores mencionam que Clemente faz alusão a uma lenda mitológica, a da fênix, e acreditando nesta lenda, usa-a como base de argumentação para o que Deus irá fazer na ressurreição dos seus servos (p.42), não sabemos ao certo, fato é que apesar da igreja reconhecer a relevância deste escrito o tal não foi inserido no cânon oficial e posterior da Igreja.
Não poderíamos também deixar de lançar um pequeno alerta para o estudante de teologia e história que lança mão desta tradução da editora Paulus para o seu estudo, sempre quando possível importante se faz consultar a versão inglesa dos Pais Anti-Nicenos pela Hendrickson Publishers, pois notamos que em algumas partes as traduções se diferenciaram, o que parece ser influência da teologia católica do tradutor. Por exemplo na p.28, a tradução da Editora Paulus afirma que :”O Senhor deu a possibilidade de arrependimento a todos aqueles que queriam converter-se a ele”, ao passo que a tradução da Editora Hendrickson, p.7 coloca : “O Senhor concedeu local de arrependimento para todos aqueles que seriam convertidos a Ele”. A primeira tradução enfatiza o homem como agente e a segunda enfatiza Deus como agente.
Mesmo não sendo canônica esta carta de Clemente aos Coríntios ficará para sempre marcada na história como um testemunho privemo de que a Comunidade Cristã entendeu e adotou os postulados e doutrinas apostólicas, servindo para nós que somos seus descendentes, de memorial à fé que eles e nós abraçamos, o Evangelho da Soberana Graça de Jesus Cristo.

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