A Pascoa e seu Real Sentido
O calendário registra nesta semana a Páscoa dos judeus e a dos cristãos. Ambas as comemorações tiveram a mesma origem, afastaram-se e negaram-se ao longo da história e tendem a aproximar-se novamente.
O reconhecimento da origem judaica de Jesus, agora um fato religioso indiscutível, diminuiu bastante o número daqueles que apregoavam distância e até hostilidade entre os seguidores das duas religiões.
Resquícios da Idade Média (quando se pregava, em púlpitos de igrejas, massacres contra os judeus pelo fato de estes, supostamente, beberem sangue de garotos católicos em suas ceias de Pessach, a páscoa judaica) fazem parte de um passado que quase ninguém quer reviver.
Até a velha malhação do Judas, como metáfora do judeu supostamente traidor, mudou o seu caráter. Agora os Judas de sábado de aleluia são traidores mais reais, facilmente encontráveis no mundo político.
Os judeus fazem hoje à noite uma ceia de Pessach, e tradicionalmente se diz que ela registra "a saída dos judeus do Egito", comandados por Moisés, há uns 35 séculos.
Entretanto, não foram encontradas evidências da ida ou mesmo da presença do povo hebreu no Egito, nesse período, mesmo porque ainda não havia um povo hebreu. É difícil, portanto, falar de sua saída.
Com certeza poderíamos considerar a travessia (do Egito para a Terra Prometida, da escravidão para a liberdade) um mito de criação, desses que todos os povos, nações, religiões e etnias têm.
Claro que havia um grande movimento de povos do deserto atrás do grande oásis que era o Egito, irrigado e fertilizado pelo Nilo. Por vezes eles se integravam e se diluíam entre a população egípcia, por vezes eram expulsos quando seu trabalho não mais era necessário, como ocorre com imigrantes de países pobres em nações mais desenvolvidas.
Esses povos devem ter aprendido muito com a civilização egípcia, da qual levaram cultura material e simbólica para outros lugares, como a então terra de Canaã.
Algumas tribos com esse histórico desenvolveram língua própria, cultura específica e unificaram-se em um reino, lá pelo ano 1000 a.C., sob o comando de Saul, Davi e Salomão, este poderoso o suficiente para construir o Templo de Jerusalém.
Desmandos do poder e injustiças sociais enfraqueceram as monarquias (que haviam se dividido em Israel e Judá) e propiciaram o surgimento dos chamados profetas sociais - Amós e Isaías, entre outros -, que inovaram pregando o monoteísmo ético, conjunto de valores que passaram a fazer parte do patrimônio cultural da humanidade e se encontram na própria base do judaísmo (assim como do cristianismo).
Aí voltamos para o Pessach e nos perguntamos por que essa é uma comemoração milenar.
Alguns responderão com o judaísmo institucional, que lamenta até hoje a destruição do Templo de Jerusalém e do poder monárquico, do qual os sacerdotes eram uma espécie de funcionário religioso.
Outros acenam com o judaísmo dos escribas, a letra da lei e dos seus intérpretes, que exigem rituais imutáveis.
Quem não os seguir literalmente vai "acertar suas contas com Deus nesta ou em outra vida". Esse tipo de judaísmo considera razoável uma dicotomia entre a vida cotidiana e o ritual religioso, bastando seguir este com propriedade para que os pecados, eventualmente ocorridos naquela, sejam absolvidos sem maiores problemas. E os rabis milagreiros, além dos místicos sábios, estariam aí para nos explicar "a" verdade.
O problema é que a intermediação entre o judeu e seu Deus é a negação da essência do judaísmo (o monoteísmo ético), que busca igualar todos os homens e os estimula a ler e compreender o que leram, exatamente para ter acesso à palavra divina.
Entre o templo e os escribas, fico com os profetas.
Um povo é um grupo com a consciência de um passado comum. Não é fundamental que o passado comum tenha realmente existido, basta a consciência da existência dele: ao escolher a herança judaica, cada indivíduo passa a ser depositário de um universo de valores.
Não interessa se há 3.000 anos seus ancestrais já eram judeus, não importa se ele é descendente de cázaros judaizados durante a Idade Média ou de ucranianos convertidos após 1648.
Não vem ao caso se optou por seu judaísmo há um ano ou uma semana. O importante não é a origem étnica, nem a lamentação pelo templo destruído e muito menos a prática de rituais mecanicamente executados.
A grande travessia, aquela que marcou a humanidade, foi a de um mundo aético para um mundo ético, de um olhar para si mesmo para um olhar para o outro, de uma existência solitária para uma existência solidária.
Sim, Pessach é uma travessia. Que só tem sentido se for feita na companhia de todos os irmãos de raça, a raça humana.
Sobre o autor:
Jaime Pinksy é historiador, editor e professor aposentado da Unicamp. Doutor e livre docente pela USP. Foi também professor na Unesp (Assis) e na USP. Colaborou na criação das revistas Debate & Crítica, Contexto, Anais de História e Religião e Sociedade. Concebeu e dirige a Editora Contexto . Concebeu e dirigiu a Editora da Unicamp. Foi colaborador das editoras Brasiliense, Global e Atual. Autor, co-autor ou organizador de mais de duas dezenas de livros, entre os quais História da Cidadania, As primeiras civilizações, O Brasil tem futuro? e Origens do Nacionalismo Judaico (informações colhidas no site de Jaime Pinsky).
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