A guerra contra a culpa
Nossa cultura declarou guerra contra a culpa. O próprio conceito é considerado medieval, obsoleto e inócuo. Geralmente, aqueles que têm problemas com sentimento de culpa recorrem a um terapeuta, cuja tarefa é melhorar a auto-imagem do paciente. Ninguém, afinal de contas, deve sentir-se culpado. A culpa não conduz à dignidade e nem à auto-estima. A sociedade encoraja o pecado, mas não tolera a culpa produzida por ele.
O Dr. Wayne Dyer, autor do megabest-seller, Your Erroneous Zones, parece ter sido uma das primeiras vezes influentes a desacreditar comple¬tamente a culpa. Ele denominou a culpa de o "mais inútil de todos os comportamentos da zona de erro". De acordo com o Dr. Dyer, a culpa não é nada além de uma neurose. "A zona da culpa", ele escreveu, "deve ser banida, varrida e esterilizada para sempre."
Como vamos limpar e esterilizar nossas zonas de culpa? Rejeitando o comportamento pecaminoso que faz com que nos sintamos culpados? Arrependendo-nos e buscando o perdão? Conforme o Dr. Dyer, não. De fato, sua solução para a culpa está muito longe do conceito bíblico de arrependimento. Seu conselho aos leitores que se sentem culpados é o seguinte: "Faça algo que você sabe que, com certeza, resultará em sentimento de culpa....Isole-se por uma semana, se você sempre quis fazer algo parecido — apesar dos protestos causadores de culpa dos outros membros da família. Este tipo de comportamento o ajudará a lidar com a culpa onipresente". Em outras palavras, afronte sua culpa. Se necessário, rejeite sua própria esposa e seus filhos. Ataque de frente o senso de auto-reprovação. Faça algo que com certeza o fará sentir-se culpado, e então rejeite a culpa, não atente aos gritos da consciência, aos deveres da responsabilidade familiar, ou até mesmo aos apelos dos seus queridos. Você deve isso a si mesmo.
Raramente a culpa é tratada com seriedade. Normalmente é retratada como um mero desgosto, um aborrecimento, um pequeno contratempo da vida. Recentemente, no nosso jornal local havia um artigo característico sobre a culpa. Era um texto leve, que tratava, na sua maioria, de pequenas indulgências como comidas caras, batatas fritas, dormir tarde e de outros "prazeres que nos fazem sentir culpados", como o artigo as chamava. Ele citava muitos psiquiatras e outros especialistas em mente. Todos caracterizavam a culpa como uma emoção infundada, que tem o potencial de tirar toda a alegria da vida.
Um catálogo de artigos da biblioteca relaciona artigos de revistas recentes com o título de Culpa: "Como não ser tão severo consigo mesmo", "A culpa pode levá-lo à loucura", "A negociação da culpa", "Livrando-se das culpas", "Pare de se desculpar", "Culpa: livre-se dela", "Não alimente o monstro da culpa" — e muitos outros títulos semelhantes.
Uma manchete da coluna de conselhos de um jornal chamou a minha atenção. Ela resumia a opinião universal da nossa geração: "NÃO É SUA CULPA". Uma mulher escreveu ao colunista para dizer que j á havia tentado todos os tipos de terapia que conhecia, mas ainda não tinha conseguido se livrar de um hábito auto-destrutivo.
A colunista respondeu: "O primeiro passo que você deve dar é parar de se culpar. Você não é culpada pelo seu comportamento compulsivo; recuse-se a aceitar a culpa — e acima de tudo, não se culpe — pelo que foge ao seu controle. Acumular culpa apenas aumenta o estresse, a baixa auto-estima, a preocupação, a depressão, o sentimento de imperfeição e a dependência dos outros.... Livre-se de seus sentimentos de culpa".
Atualmente, você pode libertar-se de quase todo tipo de culpa. Vivemos numa sociedade "sem falhas". Até Ann Landers escreveu:
Um dos exercícios mais dolorosos, auto-mutiladores, que consomem mais tempo e energia na experiência humana é a culpa....Ela pode arruinar o seu dia, sua semana ou sua vida, se você permitir. E como trazer à tona o azar quando você fez alguma coisa desonesta, prejudicial, descuidada, egoísta ou corrupta....Não importa se isso foi resultado de ignorância, estupidez, preguiça, negligência, fraqueza da carne ou covardia. Você fez algo errado e a culpa está lhe matando. Que pena! Mas esteja certo de que a agonia que você sente é muito natural....Lembre-se de que a culpa é um poluente e não precisamos mais disso no mundo.
Em outras palavras, você não deveria permitir a si mesmo sentir-se mal "quando faz algo desonesto, prejudicial, descuidado, egoísta ou corrupto". Pense em si mesmo como sendo bom. Talvez ignorante, obtuso, preguiçoso, negligente ou fraco — porém bom. Não polua sua mente com o pensamento debilitante de que talvez você seja culpado de alguma coisa.
Sem culpa, sem pecado
Esse tipo de pensamento tirou do discurso público palavras como pecado, arrependimento, contrição, expiação, restauração, redenção. Se se presume que ninguém sente culpa, como alguém poderia ser um pecador? A cultura moderna nos responde: as pessoas são vítimas. Vítimas não são responsáveis pelo que fazem, elas são conseqüência do que lhes acontece. Sendo assim, toda falha humana deve ser descrita nos termos de como o criminoso foi vitimado. Todos deveríamos ser suficientemente "sensíveis" e "compassivos" para perceber que os próprios comportamentos que eram rotulados de "pecado" são na verdade evidências da vitimização.
No que concerne à sociedade, a vitimização adquiriu tanta influência que praticamente não existe mais esta coisa de pecado. Qualquer um pode esquivar-se da responsabilidade de seu erro, bastando para isso colocar-se na posição de vítima. Isso mudou radicalmente a maneira da,, nossa sociedade considerar o comportamento humano.
Em Nova York, durante um assalto, um ladrão foi baleado pelo proprietário da loja que estava assaltando e ficou paralítico. Mais tarde ele processou o proprietário da loja que havia atirado nele. Seu advogado argumentou que, antes de mais nada, o ladrão deveria ser visto como uma vítima da sociedade, levado ao crime pelas suas desvantagens econômicas. Agora, disse o advogado, ele foi vítima da insensibilidade do proprietário que havia atirado nele. Por causa da insensibilidade daquele homem, que aproveitou-se de uma situação de descuido do ladrão, que era uma vítima, o pobre criminoso estará confinado a uma cadeira de rodas pelo resto da vida. Ele merece alguma compensação. O júri concordou. O dono da loja pagou uma grande soma de dinheiro. Meses depois, o mesmo homem, ainda na cadeira de rodas, foi preso quando cometia outro roubo à mão armada.
Bernard McCummin explorou semelhante vitimização até se tornar um homem rico. Depois de assaltar e golpear um idoso no metrô, McCummin levou um tiro enquanto fugia do local do crime. Paralítico para sempre, processou as autoridades de Nova York e ganhou a causa, tendo recebido quatro milhões e oitocentos mil dólares. O homem que foi roubado — um canceroso — ainda paga as contas do médico. McCummim, o assaltante que o tribunal considerou como a maior vítima, é hoje um multimilionário.
Na Inglaterra, em dois casos distintos, uma garçonete que esfaqueou uma mulher até a morte durante uma briga de bar, e outra mulher furiosa que jogou seu carro contra seu amante, foram absolvidas de assassinato depois que alegaram que estavam com a mente aturdida por causa da tensão pré-menstrual (TPM), o que as havia levado a agir de modo descontrolado. s duas, em vez de receberem uma punição, estão fazendo terapia.
Um inspetor da cidade de São Francisco alegou que assassinou seu colega de trabalho, o inspetor e Prefeito George Mascone, porque o excesso de caloria na comida - especialmente Hostess Twinkies [tipo de bolo recheado de baunilha e muito doce (N.T.)] o fez agir irracionalmente. Assim nasceu a famosa defesa "Twinkie". "Um júri indulgente aceitou a argumentação e deu o veredito de homicídio culposo em vez de assassinato." O júri decidiu que o excesso de caloria na comida resultou na "diminuição da capacidade mental", o que abrandou a culpa do assassino. Ele saiu da prisão antes que o mandato do prefeito seguinte terminasse.
Integrantes de uma gangue de desordeiros em Los Angeles surraram Reginald Denny quase até a morte diante das câmeras da TV. O júri os condenou à pena mínima depois de decidir que eles foram levados pelo calor do momento e, portanto, não eram responsáveis pelos seus atos.
Atualmente, nos Estados Unidos, teoricamente, é possível cometer o crime mais monstruoso e safar-se sem problemas; basta alegar um distúrbio emocional ou mental, ou então inventar uma angústia qualquer para explicar porque você não é responsável por aquilo que fez.
Um traficante e viciado em cocaína de Bronx atirou diretamente na cabeça de oito crianças e duas mulheres, porém foi inocentado do homicídio. Em "Nova York, o seu crime foi considerado o maior crime em massa desde 1994. Mas os jurados entenderam que as "drogas e o estresse explicavam razoavelmente o seu ato". Disseram que "ele havia agido sob extremo estresse emocional e influência das drogas" — assim, consideraram-no culpado num grau menor, o que levou a uma sentença leve.
Os criminosos não são os únicos que usam desculpas para livrarem-se das conseqüências dos seus erros. Milhões de pessoas, de todas as camadas sociais, estão usando táticas semelhantes para se desculparem por seus atos ruins.
Michael Deaver, subchefe dos auxiliares de Ronald Regan, não reconheceu sua culpa por juramento falso, alegando que o álcool e as drogas haviam debilitado sua memória. Ele admitiu que "estava bebendo secretamente um quarto de garrafa de uísque por dia" enquanto trabalhava na Casa Branca. O juiz, pelo menos em parte influenciado pelo argumento, deu a Deaver apenas uma suspensão.''
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