A
IGREJA EM ADORAÇÃO
Eterno Deus, teu povo congregado,
Humilde
entoa teu louvor aqui!
No dia para o culto reservado,
Com esperança olhamos para ti.
Teu santo livro, ó grande Deus,
tomamos
Com fé singela e reverente amor;
E, como atentos filhos,
procurarmos
Ciência na Palavra do Senhor.
Jesus! Aos teus benditos pés
sentados
Queremos teu conselho receber,
E sendo por ti mesmo doutrinados,
De mais em mais na santa fé
crescer.
Do mundo descansar em ti, Senhor,
Mirando os ricos bens
entesourados
Na plenitude do teu vasto amor.
Ensina aos teus, Espírito divino,
Dissipa as trevas destes
corações;
E com a luz do teu celeste ensino
Vem aclarar as santas instruções.
Aviva em nós as forças da
memória,
Pois sempre mais queremos
conhecer
O Rei dos céus, o Cristo cuja
glória
Enleva os santos anjos do prazer.
Amém.
(S.
P. Kalley)
Temos insistentemente pontuado em
nossas dominicais meditações que, por ser parte constitutiva do culto público prescrito
por Deus nas Escrituras Sagradas, o louvor, comunitariamente entoado pelos
crentes, deve buscar o maior grau de harmonização possível com a Palavra de
Deus. Isto posto, as letras que verbalizamos em nossa hinografia, às quais a
melodia deve sujeitar-se, devem refletir, na extensão integral do seu conteúdo,
o majestoso caráter de Deus, acumpliciado aos seus diversos e gloriosos
atributos; a pessoa divina do Senhor Jesus Cristo e a salvífica obra realizada
por Ele realizada na cruz do calvário; a obra gloriosa do Espírito na aplicação
redentiva do sacrifício do Filho de Deus e a iluminadora direção espiritual que
Ele promove no seio da igreja, na qual ele habita permanentemente.
Em suma: devemos entoar louvores
que sejam bíblico-teologicamente consistentes, que espelhem as Escrituras
Sagradas; e, ato contínuo, não se percam em humanismos inapropriados e
insuportáveis enveredamentos por um romantismo sentimentalista, mais revelador
do subjetivismo humano que da plena munificência do Deus Criador/Sustentador de
todas as coisas e, de igual modo, Redentor do seu povo.
Não quer isso dizer, obviamente,
que de nossa hinografia cúltica devam estar banidas as indeléveis marcas do
nosso ser/estar no mundo como igreja sofredora e triunfante, mas sim que o foco
deve centrar-se em Deus, na Trindade santa e bendita, que, antes da fundação do
mundo, nos amou e em nosso favor arquitetou o mais sublime, perfeito e eterno
plano de salvação.
Todo esse conteúdo de excelência,
que deve nortear a adoração comunitária que nós, como igreja redimida, somos
chamados a oferecer ao nosso Deus, a meu ver, delineia-se, superlativamente, na
bela e bíblica letra que emblematiza o hino de número três de nosso Novo
Cântico, cancioneiro sacro adotado pela Igreja Presbiteriana do Brasil.
O título já sinaliza, claramente,
para aquela espécie de adoração que apresentamos ao Senhor no exato momento em
que, convocados por Ele, comparecemos ao culto público para, como explana a
Confissão de Fé de Westminster, lermos a sua Palavra, ouvirmos a sua fiel e
expositiva pregação, o adorarmos com o nosso louvor coletivo e participarmos,
reverente e conscientemente, da correta administração das ordenanças do batismo
e da ceia memorial da nova aliança.
Claro que, numa perspectiva mais
ampla, a nossa adoração deve ser a expressão global de toda a nossa vida, em
todos os âmbitos em que ela se manifesta: familiar, profissional, cultural,
político, dentre outros que formam o multifacetado compósito da nossa
existência. Enfim, a adoração encarada como sinônimo irrasurado de uma vida
que, “na comida, na bebida ou em outra
coisa qualquer”, busca a justa promoção da glória de Deus, de conformidade
com a santa exortação feita pelo apóstolo Paulo na segunda epístola que
endereçou aos cristãos da cidade de Corinto.
Sem isso, a adoração que se
presta a Deus, no âmbito mais restrito do culto público, não passa de pura e
vazia encenação, ritual inteiramente desvalioso; e, pior que isso, exposto à
desaprovação e ao certeiro ajuizamento de Deus. Contudo, a adoração pública ao
Senhor, manifestada no ajuntamento solene do seu povo, deve pautar-se pelas
seguras prescrições escriturísticas.
No hino em tela, aprendemos
algumas verdades sobremaneiras edificantes. Composto por três estrofes, o hino
mostra como, no culto público que a Deus oferecemos, Pai, Filho e Espírito
Santo estão, umbilicalmente, unidos. Vejamos, pois, como tal verdade
consorcia-se no hino/poema.
De pronto, emerge, na parte
introdutória do hino, o caráter teocêntrico do culto. O culto é prestado,
exclusivamente, a Deus, e a mais ninguém, por isso não cabem nele as homenagens
aos homens, os louvores aos homens, as celebrações aos homens, sejam eles quais
forem. Insistir em ignorar esse ponto seminal é quebrar, flagrantemente, o
primeiro mandamento, transgredir toda a Lei do Senhor, cometer idolatria e
abominação contra o Altíssimo.
O hino principia realçando a
eternidade de Deus, a espantosa realidade do seu ser incriado e auto-existente.
No culto, não estamos diante de um ser igual a nós, portador das mesmas mazelas
e imperfeições que nos essencializam, mas sim diante do Deus eterno, Criador e
Sustentador de tudo, poderoso Redentor da sua igreja, puro amor e, ao mesmo
tempo, fogo consumidor, habitante de luz inacessível, invisível, mas real,
chamado pelos antigos profetas como Deus grande e terrível.
É diante desse Deus eterno, Pai
das luzes, imutável e sem variação, que nos prostramos quando, congregados,
prestamos-lhe culto de louvor, adoração, honra e gratidão pelo que Ele é e pelo
que faz, pelo seu controle soberano sobre a história. Diante, pois, desse Deus
tão grandioso, nenhuma atitude poderia ser mais conveniente e
bíblico-teologicamente prescrita do que a humildade, a submissão e a reverência
deleitosa. No culto ao Senhor, não há lugar para soberba, orgulho, altivez,
comportamentos abominados por Deus e seriamente expostos à sua mais veemente
condenação.
A humildade é o único modo
aceitável de nos aproximarmos de Deus, dado que ele é o Senhor, nós somos
servos; ele é Deus, nós somos homens; ele é santo, nós somos pecadores; ele é
Todo-Poderoso, e nós, quando muito, apenas pó e cinza. No culto público,
olhamos para o Senhor com esperança, não a esperança humana, que é a última que
morre no dizer popular, mas sim aquela que, conforme a inspirada asserção do
apóstolo Paulo, “não confunde, porque o
amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi
outorgado” (Romanos 5.5).
Ainda na monumental epístola de
Paulo aos Romanos, deparamo-nos com um texto deveras consolador para os nossos
corações, frequentemente açoitados pelas encapeladas ondas do tempetuoso mar da
vida: “E o Deus da esperança vos encha
de todo o gozo e paz no vosso crer; para que sejais ricos de esperança no poder
do Espírito Santo” (Romanos 15.13).
Nós não sabemos cultuar ao Senhor
como convém. Carentes de uma segura e sólida orientação, nossos corações, “fábrica de ídolos”, no sábio dizer de
João Calvino, forjarão cultos estranhos, profanos, à imagem e semelhança da
nossa vã imaginação. Também aqui não vale o sofisma, segundo o qual, se formos
sinceros e se nos sentirmos bem com o que fazemos no culto, então, podemos
tomar por certo de que Deus, de igual modo, se agradará e aprovará as nossas
supostas piedosas intenções. Conquanto devamos em tudo cultivar “a verdade no íntimo” (Salmo 51.6a) e a
sinceridade como um dos princípios motivacionais básicos das nossas atitudes, o
compromisso inamovível de Deus é com a sua Palavra, pela qual ele vela, a fim
de conferir a ela pleno e cabal cumprimento (Jeremias 1.12). Assim, o árbitro
final das nossas consciências não deve ser o solo escorregadio da nossa
sinceridade, mas sim a rocha inabalável da Palavra do Senhor.
Eis a razão pela qual somente no
Santo Livro de Deus, nas Escrituras Sagradas, na Palavra ditada pelo Espírito
Santo, é que encontramos a instrução segura e a direção sábia para cultuarmos a
Deus da forma como ele mesmo quer ser cultuado, sendo essa prerrogativa indisputável
dEle, dado que é Deus, Senhor excelso e soberano controlador da história.
Teocêntrico, porque indesmentivelmente dirigido a Deus, o culto, de igual modo,
reveste-se de uma dimensão ontológica de cristocentricidade; e, por uma razão
muito simples, ninguém pode aproximar-se de Deus sem a mediação de Jesus Cristo.
Jesus Cristo é quem nos propicia
a graça de cultuarmos ao Pai; o privilégio de nos assentarmos aos seus pés
benditos; e, ato contínuo, deleitarmo-nos com a sua doutrina e com os seus
maravilhosos ensinamentos. Em Cristo e por meio de Cristo nós experimentamos
crescimento na graça, na fé e no conhecimento de Deus, visto que no Filho de
Deus “reside, corporalmente, toda a
plenitude da divindade” (Colossenses 2.9).
Ao cultuarmos a Deus, por meio de
Jesus Cristo, no Dia do Senhor, nós descansamos dos nossos labores cotidianos e
repousamos nos braços do Filho de Deus, a ele entregando os nossos cansaços, as
nossas angústias cotidianas, “mirando os
ricos bens entesourados/na plenitude do teu vasto amor”.
Teocêntrico, cristocêntrico, o
culto a Deus, a adoração comunitária da igreja de Jesus Cristo ao Deus
Todo-Poderoso, somente pode ser efetivamente realizada no poder do Espírito
Santo, pois é o Santo Espírito, parácleto bendito, habitação permanente de Deus
conosco, que “dissipa as trevas dos
nossos corações”, por meio do “celeste
ensino”, da aplicação perfeita e iluminadora das sublimes verdades da Lei
de Deus aos nossos corações.
Na economia salvífica da
Trindade, o Espírito Santo ocupa papel de ostensivo relevo. É o Espírito Santo
quem dobra as resistências do coração do pecador e o leva, arrependido, a
confiar somente em Cristo para a sua salvação. É o Espírito Santo quem nos
ilumina a mente, a fim de podermos compreender a Palavra de Deus; Palavra que
ele mesmo inspirou sobrenaturalmente. Professor incomparável e divino, é o Espírito
Santo quem “ativa as forças da memória”,
a fim de que possamos, permanentemente, voltar ao nosso tesouro de fé,
inviolável patrimônio da nossa alma redimida.
Impulsionados, pois, por tão
poderoso e Santo Espírito, podemos cultuar a Deus de modo fervoroso, racional,
com intenso fogo na alma e sobrante entendimento na mente, degustando um
conhecimento de Deus que o próprio Espírito Santo destila em toda a extensão do
nosso ser, não de forma mística, mas por meio da instrumentalidade da Palavra.
Nunca é demais lembrarmo-nos,
recorrendo a João Calvino, de que o divórcio entre a Escritura Sagrada e o
Espírito Santo é aventura temerária promovida por fanáticos, os quais,
pretextando espiritualidade superior, findam solapando as bases seminais da
suficiência das Escrituras Sagradas. Ao Pai, por meio do Filho, na capacitação
do Espírito Santo, eis a natureza solene e comunitária da igreja em adoração,
esplendidamente espelhada num hino admiravelmente consorciador de beleza
estética e infrangível conteúdo bíblico.
Que seja sempre assim a
hinografia materializada em nossos cultos. Que haja em nós discernimento
suficiente para não emprestarmos os nossos lábios para a reprodução de letras
frívolas, conteudisticamente pobres e doutrinariamente desarmonizadas com a
Palavra de Deus; que pouco ou quase nada dizem acerca de Deus, de Jesus Cristo
e do Espírito Santo, das antigas e gloriosas doutrinas da graça, imperecível
tesouro da nossa revelada, histórica e santíssima fé. SOLI DEO GLORIA NUC ET
SEMPER.
JOSÉ
MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
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