“Para que, se eu tardar, fiques ciente de
como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e
baluarte da verdade” (1 Timóteo 3.15).
Escrita no contexto das sólidas
orientações endereçadas pelo apóstolo Paulo ao jovem pastor Timóteo, no tocante
ao estabelecimento do ministério de presbíteros e diáconos, a passagem em foco
referencia a igreja de Jesus Cristo como a
coluna e o baluarte da verdade.
Igreja e verdade, portanto, na
compreensão teológica de Paulo, são realidades espirituais umbilicalmente
interligadas, jungidas uma a outra de modo absolutamente inseparável. Não é que
a igreja seja a verdade em si mesma, evidentemente que não. A verdade absoluta,
sabemos bem pelas Escrituras Sagradas, é o Senhor Jesus Cristo, a Palavra
encarnada de Deus. É o Pai, Senhor soberano da história, de quem procede “toda boa dádiva e todo dom perfeito, e em
quem não há mudança nem sombra de variação” (Tiago 1.17). É o Espírito
Santo, Espírito da verdade imutável e eterna.
Contudo, a igreja é a reunião
santa de todos os que foram eleitos pelo Pai, redimidos pelo Filho, Cordeiro
santo de Deus, e, ato contínuo, feitos morada permanente do Espírito Santo. A
igreja é o corpo de Cristo, sublime e irretocável metáfora que aponta para o
caráter coesivo e harmônico que deve reger o modo de crer e de viver de todas
as pessoas que experimentaram o milagre bendito do novo nascimento, por meio do
qual, escravos são alforriados; mortos ressuscitam; cegos recebem a luz da
vida; condenados são poderosamente salvos; e corações já corroídos pelo parcial
inferno da ausência de Deus, cintilam pela aurifulgente presente de estrelas e
luzes, indesmentíveis sinais de um céu reverberante nos recessos de uma alma
perdoada por Deus e com ele reconciliada.
Assim, unida pela fé à verdade,
que é Jesus Cristo, a igreja é, então, por Deus constituída como coluna da verdade; e, da verdade, baluarte inamovível. O mundo vive, hoje, mergulhado num contexto
em que a verdade tem sido terrivelmente combatida, negada, espezinhada,
deformada, sufocada e substituída por toda espécie de mentira disfarçada.
O universo gelatinoso da
decantada Pós-Modernidade, privilegiado paradigma de pensadores de variado
matiz, desdenha do conceito de verdade absoluta e, em seu lugar, tem erigido a
relativização de tudo como o ponto de partida e de chegada de todas as suas
cogitações epistemológicas.
Relativismo na ética, na moral,
na cultura, nos costumes, nas crenças, nos valores, enfim, em tudo.
Relativismo, eis a charmosa e indispensável senha para se ingressar em qualquer
debate nos nossos desventurados tempos. Nessa quadra, então, de decretação da
morte da verdade, de achincalhe da verdade, a igreja de Jesus Cristo, por meio
da imorredoura sentença das Escrituras Sagradas, é lembrada da sua íntima,
intransferível e insubstituível identidade: coluna da verdade e baluarte da verdade. À igreja cabe,
indesviavelmente, preservar a verdade, defendê-la, proclamá-la, vivê-la, viver
por ela, sempre, e, por fim, por ela morrer, sempre que necessário for.
A igreja não é um clube de
diversões, espaço lúdico para entreter o ego de pessoas muito satisfeitas
consigo mesmas. Não é uma associação de livre pensadores, no interior da qual
cada um julga-se no direito de pensar como quer e viver como acha mais
conveniente para o atingimento de um ideal caprichoso chamado pomposamente de
felicidade, que tem de ser conquistada de qualquer jeito, custe o que custar.
A igreja é o solene ajuntamento
de pecadores justificados e em processo crescente de santificação que um dia
foram confrontados pela mensagem desafiadora do evangelho. Postos face a face
com o espelho fiel e lancinante da Palavra santa do grande Rei do universo.
Convencidos da sua completa falência moral e espiritual. Por fim, expostos à
ação soberana de uma graça que os humilha e restaura; exibe a lepra que lhes
apodrece o coração e, ao mesmo tempo, revela-lhes a insecável fonte de um
sangue santo e santamente purificador.
A igreja é a coluna e o baluarte da verdade na adoração verdadeira ao único
Deus vivo e verdadeiro. Adoração que, prescrita na Escritura Sagrada e ancorada
no majestoso caráter de um Deus revelado, é o mais extraordinário alvo e o mais
incomparável privilégio de vida a que qualquer ser humano pode aspirar. E
somente poderá fazê-lo, se a suficiente e eficaz graça de Deus dobrar-lhe a
dureza interna do coração depravado e, de igual modo, dissipar-lhe as trevas da
mente cega para as realidades espirituais.
A igreja é a coluna e o baluarte da verdade na proclamação fiel e sem mistura
do evangelho simples e salvífico emergido do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Do Pai que elege, do Filho que redime e do Santo Espírito que, livre e
soberanamente, aplica ao coração dos filhos de Deus o resultado do grandioso
sacrifício que o Filho de Deus realizou no calvário. Tal proclamação correta é
o tesouro apostólico imperecível, legado eterno de uma geração a outra geração.
A igreja é a coluna e o baluarte da verdade superlativa do amor que foi
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, por meio do qual, mesmo
imperfeitamente, dada a nossa pecaminosidade, nós podemos nos relacionar com os
nossos irmãos de modo solidário, fraterno, praticando, com beleza e ternura, a
“teologia do uns aos outros”.
A
igreja de Jesus Cristo, a coluna e o
baluarte da verdade, é o lugar cooperação recíproca, e não o da competição
de todos contra todos, mesmo porque, quem no reino de Deus vive na promoção
ímpia de divisões e contendas, expõe-se ao juízo de Deus, uma vez que, de
conformidade com o que escreveu o apóstolo Paulo em sua primeira epístola
endereçada aos cristãos da cidade de Corinto : “Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo
de Deus, que sois vós, é sagrado” (1 Coríntios 3.17).
A igreja de Jesus Cristo, a coluna e o baluarte da verdade, é o
lugar onde, primária e primordialmente, a teleologia
suprema a ser perseguida é a glória de Deus, e não a satisfação egoística das
pessoas que a frequentam. Igreja é lugar de adoradores, não de consumidores
exigentes e cheios de justiça própria, como bem pontua David F. Wells, em seu
excelente livro Coragem para ser protestante.
Quem na igreja de Jesus Cristo, a coluna
e o baluarte da verdade, vive de fazer performances para ser aplaudido
pelos homens, já recebeu o seu galardão, conforme bem sentenciou o Senhor Jesus
Cristo, em seu magnífico e inexcedível Sermão da Montanha.
Agora, em face da realidade
bíblica acerca do que verdadeiramente vem a ser uma igreja, um questionamento
da mais alta relevância inapelavelmente se impõe aos nossos corações e às
nossas consciências: podemos ainda ser chamados de igreja, à luz do padrão
escriturístico? Ainda nos deleitamos com um culto solene, santo e prescrito por
Deus ou, ao contrário, julgamos tais diretrizes obsoletas, inaplicáveis aos
tempos pós-modernos e, em seu lugar, preferimos o culto espetáculo, plataforma
profana de entretenimento e perigosa distração espiritual?
Somos, de fato, a coluna e o baluarte da verdade no
quesito fidelidade ao evangelho simples de Jesus Cristo, por ele mesmo
anunciado e, mais tarde, transmitido pelos santos apóstolos ou, diferentemente,
com o fito obsessivo de enchermos as nossas igrejas a qualquer preço, o estamos
substituindo pela diluída mensagem da
auto-ajuda, da prosperidade egoística e da confissão positiva mais identificada
com certas epistemologias de matiz gnóstica do que com o cristianismo
bíblico-histórico radicado na pessoa e na obra do glorioso Filho de Deus?
Essas são perguntas sérias e que, de igual modo, exigem respostas que
reflitam uma avaliação criteriosa de nossa espiritualidade à luz da santa
Palavra de Deus. São questionamentos que devem nos levar a um retorno urgente
às Escrituras Sagradas, regra única de nossa fé e de nossa prática. Que Deus
tenha misericórdia de nós e não permita que venhamos, em nossa caminhada
cotidiana, a comprometer a elevada vocação de Deus para nós como igreja dele,
corpo vivo do seu bendito Filho e casa permanente do seu Espírito Santo: a coluna e o baluarte da verdade. SOLI
DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
JOSÉ
MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
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