ORAI SEM CESSAR

Embora as Escrituras Sagradas, no geral, sejam justamente consideradas claras em seu conteúdo revelatório, é fato incontestável que há porções bíblicas que oferecem certo grau de dificuldade interpretativa, fazendo-se necessária, nesses casos, a presença de ferramentas exegético-contextuais mais efetiva. Por outro lado, textos há em que o significado é absolutamente cristalino, dado, devendo o crente simplesmente submeter-se a eles e colocá-los em prática em seu viver cotidiano. A esse segundo grupo pertence, por exemplo, o texto que funciona como título desta meditação dominical, extraído da Primeira Epístola que o apóstolo Paulo endereçou à igreja de Tessalônica (1 Tessalonicenses 5.17). Orar sem cessar significa orar continuamente, sem interrupção; fazer da oração uma atitude espiritual permanente de uma vida que tenciona, verdadeiramente, experimentar real comunhão com Deus. Na verdade, o Deus revelado nas Escrituras Sagradas já preordenou todas as coisas que acontecem de modo sábio, santo e amoroso, tudo compatibilizado com o conselho da sua boa, perfeita e agradável vontade. Diante, pois, de verdade tão profunda quanto sobrantemente bíblica, uma indagação, inapelavelmente, se impõe: se Deus já sabe, por que orar? Aliás, tal questionamento, em toda a sua formulação verbal, corresponde ao título de um belo livro escrito pelo pastor e teólogo norte-americano Douglas Kelly. Considerando que a preordenação de Deus acerca de todas as coisas, ancorada na sublime doutrina da soberania divina e do exercício glorioso da sua providência, em nada se confunde com a filosofia desesperadora do determinismo cego e fatalista, nós devemos atender, com alegria e humildade, à santa exortação apostólica, e orar, sempre, e sem cessar. Propomo-nos, pois, a partir de agora, a arrolar algumas razões nucleares pelas quais devemos orar sem cessar, mesmo persuadidos pelas Escrituras Sagradas que, em última análise, é o propósito eterno de Deus que vai prevalecer. Em primeiro lugar, devemos orar sem cessar pelo simples fato de estarmos diante de um mandamento do Senhor, um explícito imperativo da graça; e não de uma opção ou alternativa cuja observância fica ao sabor e arbítrio da nossa subjetiva decisão. Orar, antes de qualquer coisa, é uma ordenança do Senhor. Sendo assim, na condição de servos de Deus, é dever intransferível nosso fazer o que ele nos manda em sua normativa e suficiente Palavra. Do contrário, seremos arrolados como desobedientes. Em segundo lugar, devemos orar, porque o Deus que preordena o fim último das coisas é o mesmo que estabelece os meios para a sua consumação. A oração, nesse sentido, é o meio determinado por Deus, em sua Palavra, para conceder-nos as suas maravilhosas bênçãos, provenientes do seu bondoso ser e alicerçadas em suas infalíveis promessas. Certamente, era propósito de Deus conceder a Ana, esposa de Elcana, um filho; fertilizar a sua madre e livrá-la da humilhação constante a que ela era submetida por sua rival Penina, num contexto histórico em que não gerar filhos era profundamente constrangedor para uma mulher. Mas, foi pela instrumentalidade da agônica e confiante oração que Ana fez, que Deus satisfez o desejou do seu coração e lhe concedeu Samuel, amado profeta do Senhor, filho tão anelado. Oração tão pungente que, a fim de traduzir o doloroso estado de alma em que Ana se encontrava, quase dispensou as palavras, ficando, tão somente, no território de um comovido sussurro do coração. Em terceiro, devemos orar sem cessar, porque a oração é um precioso meio de graça que Deus põe ao dispor do seu povo, tendo como objetivo maior enriquecer a sua vida espiritual. Os meios de graça não realidades mágicas, nem meramente ritualísticas, e nem operam desconectados do Deus de quem provém toda graça. Por intermédio deles, Deus comunica graça à sua igreja, fortalece-a e a aperfeiçoa em sua caminhada cotidiana. Em quarto lugar, devemos orar sem cessar, porque a oração é a respiração natural de uma alma que, outrora “morta em delitos e em pecados” (Efésios 2.1b), experimentou o milagre da regeneração. De uma pessoa que foi adotada na família de Deus e assumiu a privilegiada condição de filho de Deus. Respiração essa que agudiza em nós o desejo de estreitarmos os nossos laços de comunhão com aquele que nos criou para o seu louvor e glória, nos redimiu em Cristo Jesus e, por fim, tornou-nos a habitação definitiva do seu Santo Espírito. Em quinto lugar, devemos orar sem cessar, porque a oração foi uma das marcas indeléveis do ministério do Senhor Jesus Cristo. Os evangelhos neotestamentários mostram-nos, à exaustão, que Jesus Cristo, embora fosse verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, nunca se afastou da oração; antes a cultivava de modo recorrente e intenso. E sua oração ao Pai em favor do seu povo perdura até hoje por intermédio da contínua intercessão que ele, na condição de Sumo Sacerdote, realiza em favor de todos aqueles que se chegam Deus por sua eficaz mediação. Desse modo, sendo Jesus Cristo o nosso modelo supremo em todas as esferas do viver, devemos, no poder do Espírito Santo e atentos às orientações emanadas da sua Palavra, imitá-lo bem de perto no quesito da oração. Em sexto lugar, devemos orar sem cessar, porque a oração, ao mesmo tempo em que nos leva a depender do Senhor em todas as coisas, freia em nós a propensão pecaminosa para a autossuficiência e a soberba que, frequentemente, insistem em dominar-nos. Na incessante oração cotidiana, mais do que os joelhos, é o coração que devemos dobrar diante do Senhor, num humilde reconhecimento de que é dele que procede “toda boa dádiva e todo dom perfeito” (Tiago 1.17a); e de que sem Jesus Cristo “nada podemos fazer” (João 15.5b). A oração é o mapa bendito que nos conduz aos inexauríveis tesouros da graça e do poder de Deus. Por fim, devemos orar sem cessar, porque a oração é uma santa preparação de Deus para enfrentarmos os grandes e inesperados dramas da vida. Há uma passagem bíblica que é superlativamente emblemática acerca da matéria em apreço. De modo gracioso, “Jesus Cristo tomou consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte” (Mateus 17.1b). Subitamente, por um ato de condescendência divina, Jesus transfigurou-se diante deles; “o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornavam-se brancas como a luz” (Mateus 17.2b). Tão esplêndido era o cenário e tão espetacular a experiência que os discípulos, na realidade, o apóstolo Pedro, com a impetuosidade própria do seu ardente temperamento, sentenciou: “Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outras para Elias” (Mateus 17.4b). Diante das empolgadas palavras de Pedro, o silêncio santo de Jesus Cristo. Contudo, ao descerem do monte, eis o contraste absoluto. No alto do monte, o Filho de Deus transfigurado. O testemunho do Pai acerca da filiação divina de Jesus Cristo: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mateus 17.5b). Na planície, entretanto, era outra, bem outra a realidade. De um lado, um filho possuído por um demônio perverso. Do outro, um pai amargurado e suplicante. E, no meio desse quadro de desolação, os discípulos do Senhor Jesus Cristo impotentes diante da tenebrosa situação, simplesmente por causa da pequenez da fé e da ausência de uma vida pautada pela oração contumaz e pelo jejum devotado ao Senhor. Assim é também conosco. No alto do monte queremos estar, permanentemente, acomodadamente, ignorando que, ao descermos, as tribulações mostrarão a face mais dura da existência, daí a necessidade de orarmos, orarmos sem cessar. Sopra sobre nós, Senhor, o cálido fogo do seu Santo Espírito e aquece os nossos corações de modo tal que venhamos a fazer da oração parte inseparável da nossa vida. Orar, orar sem cessar, eis o urgente desafio para todos nós. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER. JOSÉ MÁRIO DA SILVA PRESBÍTERO

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