A
CRIAÇÃO RESTAURADA
A Criação Restaurada – base bíblica para uma cosmovisão reformada
(Editora Cultura Cristã-SP-2006), de autoria do teólogo Albert M. Wolters,
professor associado de Religião e Teologia/Línguas clássicas no Redeemer
College, em Hamilton, Ontario, é um livro extremamente precioso e útil para
quem anela compreender as Escrituras Sagradas como a grande metanarrativa de
Deus; a superlativa história da sua graciosa Revelação ao homem, na qual
vislumbramos a criação de todas as coisas, emanada do poder onipotente do
Senhor; o registro trágico da queda do homem e as profundas conseqüências nela
implicadas e, por fim, a narrativa grandiosa da redenção, cujo escopo
indesviável é restaurar todas as coisas por meio da perfeita e eficaz obra
expiatória que Jesus Cristo realizou na cruz do calvário, ao morrer e
ressuscitar, glorioso, ao terceiro dia, recebendo do Pai a completa chancela
por tão magnífico sacrifício.
Escrito numa linguagem simples e
exemplarmente didática, acumpliciada a uma admirável fidelidade às Escrituras
Sagradas, o livro do aludido teólogo, de fato, fornece as bases inamovíveis
para o cristão que, vivendo no interior do relativista mundo forjado pela
filosofia pós-moderna, caracterizada pela irracionalista negação de todas as
normas e valores que se pretendem absolutos, intenta construir e desenvolver
uma cosmovisão que tenha em Deus e na sua inspirada e suficiente Palavra, a sua
baliza e parâmetro inafastável.
De modo objetivo, à luz da
abordagem empreendida por Albert M. Wolters, pode-se definir cosmovisão como “a estrutura compreensiva da crença de uma
pessoa sobre as coisas”. Dissecando os termos dessa conceituação daquilo
que se pode entender como cosmovisão, o autor afirma que a palavra coisas, para não cair no campo semântico
do demasiadamente vago e inconsistente, abrange, praticamente, todos os
componentes imanentes à vida humana: a educação, a cultura, as artes, as
relações familiares, o lazer, a política, o trabalho, o sofrimento, a morte,
enfim, tudo o que se relaciona ao homem em sua existência terrena. Afirma, de
igual modo, “que uma cosmovisão diz
respeito às crenças de uma pessoa”. Crenças essas que, ultrapassando o
território mais subjetivo de meras percepções subjetivas, ancoram-se no campo
da epistemologia, de uma estrutura
cognitiva mais fundamentada. Em suma: tais crenças fundamentam as convicções
mais profundas que alguém nutre sobre a vida em geral. Arremata o autor,
asseverando que “é importante observar
que as visões de mundo se referem às crenças básicas sobre as coisas”.
Assim, no caso específico do
cristão, cuja vida foi salva pela ação graciosa da Trindade: do Deus Pai,
elegendo; do Deus Filho, redimindo; e do Deus Espírito Santo, regenerando, a
cosmovisão a ser sustentada por ele deve ter como paradigma seguro a Palavra de
Deus, Revelação não exaustiva, mas
suficiente, que Deus fez de Si mesmo, dando-nos dEle mesmo o conhecimento
necessário para podermos saber quem Ele é; conhecer o seus grandes feitos
redentivos na história; e, desse modo, podermos adorá-Lo na inexcedível beleza
da sua santidade, fazendo-o de conformidade com as prescrições escriturísticas
por Ele estabelecidas.
A esse respeito, são mais que
elucidativas as palavras de Albert M. Wolters quando indaga: “Qual é, então, a relação entre cosmovisão e
Escritura? A resposta cristã a essa pergunta é clara: a nossa cosmovisão deve
ser moldada e testada pelas Escrituras. Ela só pode legitimamente orientar a
nossa vida se for baseada nas Escrituras. Isso significa que na questão da cosmovisão
há um abismo significativo entre aqueles que aceitam a Escritura como Palavra
de Deus e aqueles que não a aceitam como tal. Também significa que os cristãos
devem constantemente checar a sua cosmovisão à luz das Escrituras, porque a
falha em fazer isso produz uma inclinação poderosa de apropriação das crenças,
mesmo das básicas, de uma cultura que tem se secularizado a uma velocidade
tremenda por gerações”.
Ora, se carecemos de conformar,
permanentemente, a nossa cosmovisão com a Palavra de Deus, devemos lê-la
diariamente, meditar nela com vagar e deleite, saturar a nossa mente com o seu
elevado padrão de beleza e santidade, nutrir a nossa alma com o Pão Vivo que
desceu do céu (Cristo Jesus), pois, é somente desse modo que poderemos
experimentar a graça de não nos
conformarmos com este mundo, antes nos transformarmos por meio da renovação do
nosso entendimento, de acordo com a exortação inspirada que emanou do
apóstolo Paulo em sua monumental Epístola aos Romanos.
Quando a Palavra de Deus vai
sendo escamoteada da nossa vida, deixando de ser verdadeiramente “lâmpada para os nossos pés e luz para o
nosso caminho” (Salmo 119.105), então, inevitavelmente, nossa cosmovisão
mundaniza-se, e os efeitos espirituais desse desvio sobre a nossa vida, em
todas as áreas, passam a ser desastrosos: tornamo-nos frios, negligentes,
inconsistentes, relativistas e pouco ou quase nada bíblicos.
Um conceito-chave desenvolvido
por Albert M. Wolters, em suas reflexões sobre uma cosmovisão de matiz
reformado, é o que pressupõe a noção anteriormente referida como metanarrativa. Uma metanarrativa é uma
“narrativa abrangente que explica todas
as outras narrativas”, como pontua R. Albert Mohler Jr, em seu excelente
livro Deus não está em silêncio-pregando
em um mundo pós-moderno - brilhante e apaixonada defesa da pregação
expositiva, a única que expõe, exegético-constextualmente, “todo o conselho de Deus”, aos homens
que dele necessitam, não somente para serem salvos, mas também para viverem de
um modo que glorifique a Deus.
A metanarrativa pressupõe uma
grande história, uma grande relato, que tem a pretensão inescondível de abarcar
uma dada realidade da forma mais totalizadora possível. A Pós-Modernidade, de acordo com um dos seus grandes teóricos e
intérpretes, o filósofo francês Jean François Lyotard, pode ser encarada como
uma nítida demonstração de incredulidade para com as metanarrativas, dado que
ela se essencializa, paradoxalmente, pela negação dos conceitos de centralidade, fundamentalidade e
universalidade.
O Cristianismo é a metanarrativa
das metanarrativas, pois a história que ele conta abrange todas as outras
histórias e encara a vida não como um amontoado de acontecimentos desconexos e
destituídos de Teleologia, mas, sim, como um projeto sábio e santo de um Deus,
o único Deus vivo e verdadeiro, eternamente existente em três pessoas, que
criou todas as coisas para o supremo, merecido e justo louvor da sua glória.
A fim de desenvolvermos uma
cosmovisão bíblico-reformada, temos de entender a metanarrativa bíblica como
sendo constituída de momentos capitais: a criação, a queda, a redenção e a
consumação final radicada na própria redenção. Como acentua o teólogo R. Albert
Mohler, Jr, no livro já aludido, “toda
cosmovisão, toda metanarrativa tem um começo. Se temos de dizer algo
significativo a respeito do mundo e para onde ele está indo, precisamos antes
saber como ele começou”.
Com a cosmovisão cristã, a
realidade não se processa de modo distinto. Diferentemente da cosmovisão
naturalista, para a qual o mundo e a vida nele presente não transcendem a
condição de um acidente cósmico inteiramente impessoal, mecânico e sem
transcendência, a cosmovisão bíblica assegura-nos que “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1.1a).
Assegura-nos, de igual maneira, que o homem e a mulher não são fruto de uma
evolução de formas primitivas até o atingimento da dimensão superior da
consciência, mas, sim, resultado da vontade santa e graciosa do Criador que os
fez à sua imagem e semelhança, concedendo-lhes uma inalienável dignidade. De
acordo com a cosmovisão bíblica, o homem e a mulher foram criados com o mais
sublime dos propósitos: glorificar a
Deus e gozá-lo para sempre, como nos ensina o Breve Catecismo em sua pergunta prolegumenar.
O segundo patamar inerente à
cosmovisão bíblico-reformada é o que assevera que, tendo sido criado livre, perfeito, mas mutável, e responsável
moralmente por suas decisões, o homem pecou, caiu, quebrou o mandamento do
Senhor, transgrediu a aliança firmada pelo Altíssimo e, corolário desta trágica
decisão, tornou-se culpado diante de Deus e portador, desde a sua concepção, de
uma natureza corrupta, depravada, em toda a extensão do seu ser.
Nesse sentido, na cosmovisão
bíblico-reformada, a queda não foi um simples deslize moral, um senão ético
desimportante, mas, sim, um abominável ato de rebelião do homem contra o seu
Criador, cujos efeitos, sinaliza Albert M. Wolters, “tocaram toda a criação”, arruinando-a e enchendo-a de dor,
sofrimento, pecado e morte. A cosmovisão bíblico-reformada, de Gênesis a
Apocalipse, acentua o caráter de corrupção moral e espiritual de que se
impregnou toda a criação depois da queda dos nossos primeiros, Adão e Eva.
O relato do Livro de Gênesis
acerca da queda humana é sobremaneira elucidativo. Antes vivendo em harmonia
perfeita com o Criador, depois da queda o homem sente culpa, vergonha, medo e,
ato contínuo, passa a viver em litígio contra Deus, de quem procura esconder-se,
tão logo ouve a sua voz ecoar na viração do dia; em litígio contra si mesmo,
pois a Escritura declara que ele é mau desde a meninice; em litígio contra o
próximo, pois não demorou muito e o primeiro homicídio encheu a terra com o
sangue do ódio e da inveja: Caim matou Abel. Em litígio contra a terra, que
deixa de ser um paraíso para produzir, em suas entranhas, cardos e abrolhos,
tornando-se hostil ao homem, ao negar-lhe os seus frutos.
Por último, a cosmovisão
bíblico-reformada aponta para a redenção de Deus operada na pessoa do seu Filho
Jesus Cristo. Albert M. Wolters afirma “que
a redenção obtida por Jesus Cristo é cósmica no sentido em que restaura toda a
criação”. Para o autor em foco, a redenção pressupõe, fundamentalmente, a
restauração de tudo quanto foi criado por Deus e visto como muito bom. A ideia,
aqui, não é “que Deus rejeita a sua
primeira criação e, em Jesus Cristo, faz uma nova”, mas, sim, que “ele persiste na sua criação original caída
e salva”. “Utilizando a linguagem
tradicional da teologia, a graça não traz donum
superadditum à natureza, um dom acrescentado no auge da criação; antes, a
graça restaura a natureza, tornando-a íntegra novamente”.
Essa maravilhosa redenção já
efetuada pelo Filho de Deus no calvário, e da qual experimentamos, aqui/agora,
efeitos grandiosos, é apenas um prelúdio da plenitude de vida que espera os
salvos na eternidade, quando tristeza, sofrimento, iniquidade e morte serão
definitivamente banidos, dos nossos olhos toda lágrima será enxugada e, em seu
lugar, somente haverá alegria e paz no Santo Espírito de Deus.
Concluindo essas considerações
sobre o precioso livro de Albert M. Wolters, podemos dizer que o seu cerne
argumentativo radica no fato de o conceito de cosmovisão bíblico-reformada
atingir toda a esfera da vida do cristão, seu sentir/pensar/agir no exercício cotidiano
de todas as interações que ele empreende com a realidade na qual está inserido.
Abraham Kuyper, teólogo reformado holandês, no seu clássico livro Calvinismo, afirma que não há nenhum
recanto do universo que o Filho de Deus não declare: “é meu”, reivindicando, desse modo, a indisputável prerrogativa do
seu senhorio.
Como dissemos no início deste
artigo, A Criação Restaurada é um ótimo
livro, didático, bem escrito e, sobretudo, rigorosamente bíblico em suas
formulações teológico-doutrinárias, propiciando a quem o lê com atenção, de
fato, bases sólidas para o cultivo de uma cosmovisão reformada. SOLI DEO GLORIA
NUNC ET SEMPER.
JOSÉ
MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
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