A GRANDE COMISSÃO



               Consumada a obra da redenção do seu povo; concluídos os quarenta dias em que permaneceu com os seus discípulos dando-lhes instruções concernentes ao reino de Deus; chegada a hora de retornar, glorioso, ao Pai, o Senhor Jesus Cristo deu uma ordem aos seus discípulos, que ficou, pelos séculos afora, conhecida como a Grande Comissão: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16.5,16).
               Grande Comissão essa que é extensiva a todos os cristãos de todos os tempos; a todos os que efetivamente foram alcançados pela graça salvadora que reside no coração do evangelho, e não apenas a um agrupamento seleto de seguidores do Filho de Deus. A Grande Comissão constitui-se num dos propósitos mais solenes da vida da igreja de Jesus Cristo em sua peregrinação terrena, sendo os outros a adoração ao Deus único, vivo e verdadeiro, que em Cristo Jesus revelou-se de modo superlativamente especial. A educação dos povos por meio do ensino fiel da Palavra de Deus e, de igual modo, a prática amorosa do misericordioso serviço cristão.
               É nosso objetivo nesta meditação, examinar, mais detidamente, alguns aspectos conceituais que nuclearizam o mandamento do Senhor para os seus discípulos. O primeiro ponto é que nós não estamos diante de uma mera sugestão dada por Jesus Cristo, diante da qual os seus servos podem reagir de maneira positiva ou negativa, acatando-a ou ignorando-a, de conformidade com a conveniente interpretação que cada um queira dar às palavras do Mestre. Nada disso.
               Estamos em face de uma ordem, uma clara e insofismável determinação da segunda pessoa da santíssima Trindade, diante da qual a melhor e única atitude a ser tomada é a mesma empreendida pelo jovem profeta Samuel, o qual, ao ser visitado por Deus numa sobrenatural visão, respondeu: “Fala, porque o teu servo ouve” (1 Samuel 3.10b). E não somente ouviu o que Deus lhe falou como foi obediente às ordens recebidas, no exercício do seu ministério.
               Passemos, agora, à abordagem dos aspectos maio estritamente lingüísticos do texto em apreço. Considerando que o mandamento primacial contido no texto é o de pregar, os exegetas das Escrituras Sagradas são unânimes em afirmar que o modo verbal mais harmonizado com as reais palavras proferidas por Jesus Cristo é o que se inclina para o gerúndio: indo, e não ide.
               A ideia seria mais ou menos a seguinte: indo pelo caminho, preguem o evangelho a todas as criaturas que encontrarem. A distinção não se esgota apenas nos meandros de sutilezas gramaticais aparentemente desimportantes, mas radica num traço semântico revelador de um detalhe mais profundo. O indo pressupõe uma atividade contínua, nunca interrompida, em todo o tempo executada.
               Na realidade, o que se pontua aqui é que a igreja de Jesus Cristo, em toda a sua trajetória, nunca pode desconectar-se da sua missão indeclinável de proclamadora da pessoa e da obra de Jesus Cristo; de quem ele é e do que ele fez no calvário para salvar pecadores e reconciliá-los com Deus.
               Igreja e pregação do evangelho são realidades indissociáveis, inseparáveis. Pressupor a existência de uma igreja que não é missionária, no limite, configura-se numa absoluta contradição de termos. O modelo mais paradigmático de uma igreja compreendedora da sua intransferível missão de anunciar a obra redentora do Filho de Deus é o que nos é descrito pelo médico-historiador Lucas, no livro de Atos dos Apóstolos.
               Vê-se ali que, depois das perseguições que lhe sobrevieram, a igreja saiu por toda a parte anunciando os feitos redentivos do Filho de Deus. “Indo por todo o mundo”. O mundo é o campo missionário da igreja. Não há um só recanto da terra que não careça da pregação do evangelho. De maneira peremptória, a Escritura sentencia: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Assim, se todos pecaram, todos carecem de salvação. E é por meio da pregação do evangelho que o pecador toma conhecimento da sua miséria, da sua completa falência moral e espiritual e, de igual modo, da grande salvação somente encontrável na pessoa de Jesus Cristo.
               “Indo por todo o mundo pregai o evangelho”. Pregar o evangelho, eis a indesviável tarefa da igreja. Pregar significa anunciar todo o conselho de Deus. Contar, com fidelidade escriturística, o que Cristo fez no calvário. De pronto, vê-se que a pregação é cristocêntrica, não antropocêntrica. Deve ser centrada em Deus, no que ele, na pessoa do seu Filho, realizou na cruz; não no que ele fez em mim de modo existencial, dando-me isto, aquilo e aquilo outro, de preferência benesses materiais.
               É por essa razão que devemos ter muito cuidado com a extravagância sensacionalista de certos testemunhos que falam de tudo e de todos, menos da única verdade que deve permanentemente ser enfatizada: o que Jesus Cristo fez no calvário para redimir as ovelhas que lhe foram entregues pelo Pai antes da fundação do mundo. É óbvio que o que Cristo fez na cruz tem implicações na vida de quem pelo seu evangelho é alcançado. É óbvio que quando o Espírito Santo aplica em nossos corações a obra poderosa de Jesus Cristo, nós experimentamos um processo de transformação que, crescentemente, vai-nos assemelhando ao Filho de Deus, até aquele dia em que, glorificados, na eternidade, estaremos, para sempre, livres do mais ele vestígio do pecado. O ponto central que queremos evidenciar a respeito do caráter essencial da pregação é mostrar que ela deve ser objetiva, não subjetiva; focada na realidade exterior do que Cristo fez, não no intimismo interior daquilo que sentimos, pensamos e, a todo o custo, queremos verbalizar.
               Quando pensamos com mais rigor teológico nas palavras de Jesus presentes na Grande Comissão, ficamos com a nítida convicção de que muito do que se tem chamado, hoje, de pregação do evangelho, de evangelho pregado não tem absolutamente nada. Chamar as pessoas para Deus, prometendo-lhes saúde perfeita e perdurável, opulentos bens materiais e muito dinheiro na conta bancária, não é pregar evangelho, de forma alguma. É, isto sim, praticar abominável estelionato espiritual e promover charlatanismo irresponsável e pecaminoso, crime de lesa consciência da pior espécie. E, no limite, dar às pessoas, não a sólida esperança da vida eterna que procede de Deus e da sua graça, mas, sim, inúteis ilusões, emergidas das mentes teologicamente enfermas e dos corações interesseiros de pregadores falsos, os quais vão ter de prestar contas a Deus pela corrupção doutrinária que difundiram e pelos imensos males que causaram nas vidas das pessoas que se deixaram envenenar por tais (des)ensinamentos.
               Precisamos, pois, a fim de pregarmos corretamente o evangelho, conhecê-lo com profundidade. E, para conhecê-lo verticalmente, precisamos fazer da leitura da Palavra de Deus, e da sua meditação detida, um exercício de disciplina espiritual a ser diligentemente cultivado. Desse modo, estaremos agindo como quem verdadeiramente ama a Deus e tem grande apreço por sua santa Lei. Por fim, a pregação do evangelho tem implicações extremamente sérias para a vida do ser humano: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”.
               Primariamente, a pregação do evangelho deve ter como indisputável alvo a proclamação da glória de um Deus santo e justo que, tendo sido ultrajado pela cósmica e iníqua rebelião das suas criaturas, providenciou para elas, graciosa e amorosamente, uma eterna salvação, radicada na pessoa e na obra de Jesus Cristo na cruz do calvário.
               A pregação verdadeira anuncia ao homem o seu pecado, culpa e conseqüente condenação. De igual modo, ao mesmo tempo em que o confronta, expondo-lhe a deplorável situação em que se encontra, a pregação do evangelho o exorta ao arrependimento, a uma confissão de pecados e a um lançar-se aos pés de Jesus Cristo, crendo nele como único e suficiente salvador.
               Como se pode ver, à luz do que nos é ensinado pela Palavra de Deus, a pregação do evangelho, intocável coração da Grande Comissão estabelecida por Jesus Cristo, é uma tarefa extremamente séria, portadora de relevância eterna. A vida e a morte, o céu e o inferno, a bem-aventurança eterna e danação sem fim acham-se indeslindavelmente presentes na pregação do evangelho realizada em harmonia com as Escrituras Sagradas.
               Por isso, pregar evangelho não é falar de si mesmo. Não é contar piadas. Não é levar as pessoas a um sorriso de autocomplacência. Não é destilar otimismo em gotas, nem muito menos oferecer, regiamente pago, um Jesus mercadológico, permanentemente disposto a satisfazer os caprichos egoísticos de uma geração de pecadores exigentes e de crentes mimados e cheios de vontade e de supostos direitos. Jesus esse que, evidentemente, não é aquele que nos é revelado pelas Escrituras Sagradas.
               Pregar o evangelho significa, em perspectiva bem distinta, proclamar todo o conselho de um Deus santo, justo e amoroso, que, para a sua própria glória, resolveu sacrificar-se a si mesmo, na pessoa do seu Filho amado, a fim de conceder o dom da vida eterna a todos aqueles a quem, livre e soberanamente, ele amou antes da fundação do mundo.
               Em face, pois, de verdades tão grandiosas, que nós não somente tenhamos uma clara e bíblica compreensão do que realmente significa a Grande Comissão ordenada por Jesus Cristo, como também haja em nós uma constante atitude de obediência ao seu santo conteúdo. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                                       JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                                       PRESBÍTERO

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