A ESTRANHA TEOLOGIA DO LIVRO A
CABANA
É fato incontestável que a igreja
evangélica brasileira vive, hoje, uma profunda crise doutrinária, ética e
litúrgica, crise essa que se tem espraiado por todos os campos do seu ser/fazer
cotidiano. Uma das razões dessa crise, na verdade o seu fundamento primacial,
radica num crescente afastamento da Palavra de Deus e, ato contínuo, num
conseqüente abandono do seu caráter normativo e autoritativo para todas as
esferas do nosso viver.
O princípio de que a Bíblia Sagrada
é a nossa regra única de fé e de prática há muito se tem convertido numa mera
retórica conservadora, num discurso ortodoxo na aparência, mas com poucas
implicações para a realidade do dia a dia, notadamente a que diz respeito ao
culto que somos chamados a prestar ao nosso Deus. Profetas, apóstolos,
paipóstolos, entre outras nomenclaturas bem consentâneas com a explosão mística
dos nossos dias, em muito têm tomado o lugar das Escrituras Sagradas, levando a
igreja de Cristo ao abismo dos falsos ensinamentos, dos outros evangelhos
desamparados da bênção e da chancela de Deus.
Uma das maiores evidências do quanto
segmentos avolumados de cristãos têm abraçado consumadas heresias é o enorme
sucesso que entre os evangélicos brasileiros tem feito o livro, A Cabana, de autoria do escritor
americano William P. Young, publicado pela Editora Sextante, pródiga na
publicação de livros como: Palavras de
sabedoria de Sua Santidade, o Dalai-Lama, Você é insubstituível, Dez
leis para ser feliz, Nunca desista
dos seus sonhos, de autoria de Augusto Cury, dentre outros que têm
engrossado as fileiras da autoajuda e do humanismo triunfante dos nossos dias.
Faltos de entendimento bíblico e
completamente desassistidos da mínima dose de discernimento espiritual, alguns
pastores, presbíteros, professores de escola bíblica dominical e líderes da
igreja de um modo geral não têm poupado elogios ao livro, A Cabana, reputando-o uma verdadeira bênção, digna de ser apreciada
pelo maior número de irmãos.
Será mesmo uma bênção o livro de
William P. Young? Para os que o etiquetam desse modo, ele não passa de uma
criativa obra de ficção elaborada para nos falar de um Deus que nos ama e tudo
fará a fim de nos ver e fazer plenamente felizes. Contudo, estamos diante de
uma ficção veiculadora de uma série de concepções teológicas que destoam
flagrantemente da revelação que Deus faz de si mesmo nas Escrituras Sagradas.
Mack Aleens, esse é o nome do
protagonista do romance, durante uma viagem que tinha tudo para se constituir
apenas num momento de grande satisfação e divertimento, sofre um grande e
inesperado abalo: o misterioso desaparecimento de Missy, sua filha mais nova.
Após promover uma obstinada busca pelo paradeiro de Missy, Mack se dá conta de
que ela foi assassinada por um maníaco cruel. Mergulhado num estado de espírito
caracterizado por uma Grande Tristeza,
Mack passa a cultivar um doído sentimento de mágoa e revolta contra Deus,
culpando-o pela terrível tragédia que se abateu sobre ele e sua família.
Um certo dia, enigmaticamente, ele
recebe um misterioso bilhete assinado pelo próprio Deus, convidando-o a
comparecer a uma cabana abandonada para um encontro que vai mudar completamente
a sua existência: um encontro com Deus. Ao chegar a essa cabana, onde
anteriormente tinha se deparado com o vestido ensanguentado de sua filhinha,
Mack se encontra com aquela que se apresenta a ele como sendo a trindade, com a
qual passa a interagir, e de quem recebe as respostas existenciais que vão ao
encontro das suas profundas inquietações existenciais interiores.
Como se pode perceber, o livro trata
de uma questão que mexe bastante com a sensibilidade das pessoas: o sofrimento,
daí a razão, presumo, de ele estar fazendo tanto sucesso. Sempre que está
experimentando alguma modalidade mais intensa de sofrimento, o ser humano se
fragiliza e, ato contínuo, torna-se muito mais vulnerável a qualquer tipo de
explicação que se proponha a colocar um ponto final e esclarecedor em tão
tormentosa questão.
O problema é que, ao tentar dar
respostas ao atribulado coração de Mack, o deus da Cabana se caricaturiza e se
distancia, enormemente, do Deus que é revelado pelas Escrituras Sagradas. O
Deus da Cabana é um mero contemplador da existência humana. Ele não é o Deus
soberano da Bíblia Sagrada, o qual, antes da fundação do mundo, preordenou
todas as coisas que acontecem para a sua glória, inclusive o sofrimento, que
humilha o homem e o faz reconhecer a sua tremenda pequenez e dependência do
Criador.
O deus da Cabana não tem nada a ver
com as coisas que acontecem no universo, antes se surpreende com elas tanto
quanto cada um de nós. O máximo que ele pode fazer é nos dar uma força para
lidarmos com as situações adversas de modo tal que delas sejamos capazes de
extrai as melhores lições possíveis. Esse deus, esculpido pela imaginação de
William P. Young, é a imagem mais exata do deus inventado pelos teólogos do Teísmo Aberto, um deus que sabe sobre o
futuro o mesmo que sabem as suas criaturas: nada.
O deus da Cabana não é o Senhor
absoluto do universo, a quem todos têm o dever de servir e prestar culto, mas
sim o deus que, voluntariamente, abdica das suas indisputáveis prerrogativas e
passa a viver unicamente para satisfazer o desejo de felicidade dos seres que
criou. Na Cabana, o homem é o centro de todas as coisas. O deus da Cabana se
dobra diante dos caprichos e insatisfações humanas e, ato contínuo, passa a
lhes dar explicações acerca das coisas dolorosas que acontecem no mundo, embora
deixe claro que não é responsável por nenhuma delas.
Em direção diametralmente oposta, o
Deus das Escrituras Sagradas faz todas as coisas de conformidade com o conselho
da sua vontade, em consonância apenas com os decretos que, soberanamente,
elaborou, antes da fundação do mundo. Porque Deus é Deus, Ele não presta conta
dos seus atos a ninguém, nem a ninguém dá satisfação acerca do modo misterioso
como administra a sua providência.
Deus não deu ao apóstolo Paulo
nenhuma explicação por que impôs ao seu servo o sofrimento de um espinho na
carne, nem muito menos atendeu à súplica do apóstolo para que ele fosse
removido, apenas lhe disse: “a minha
graça te basta” (II Coríntios 12.9). Deus não deu a Jó nenhuma explicação
por que permitiu que, debaixo da sua autoridade, Satanás ferisse com tantos
flagelos o seu servo, que era piedoso, temente e se desviava do mal. Pelo
contrário, Deus dirige a Jó, na parte final do livro, uma saraivada de
perguntas absolutamente irrespondíveis, reveladoras do seu poder absoluto e da
completa fragilidade e impotência humana.
Confrontado com a infinitude de um Deus
sábio e Todo-Poderoso, a Jó resta asseverar: “Bem sei que tudo podes e que nenhum dos teus planos pode ser impedido.
Quem é este que sem conhecimento obscurece o conselho? De fato falei do que não
entendia, coisas que me eram maravilhosas demais, e eu não compreendia. Por
isso me desprezo e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.1,2,3,6). O
cristianismo, em nenhum momento, se propõe a dar respostas definitivas acerca
do sofrimento. Como afirma Alister McGrath : “Discutir o sofrimento sem fazer referência ao sofrimento de Cristo é um
absurdo teológico e espiritual. Deus sofreu em Cristo. Ele sabe
perfeitamente o que significa experimentar a dor. Ele percorreu a vereda do
sofrimento, do abandono, da dor e da morte, a vereda do calvário. Deus não é um
suposto herói de pés de barro, que exige o sofrimento alheio enquanto ele mesmo
permanece distante do mundo dos que sofrem. Ele passou pela sombra do
sofrimento. O Deus no qual os cristãos acreditam e esperam é um Deus que já
experimentou o sofrimento e, por isso, é capaz de transfigurar o sofrimento do
seu povo”.
O deus da Cabana, como tão bem apraz
aos teístas abertos, é um deus que
tem no amor o seu atributo mais alto e quase indisputável, já que o seu amor é
tão intenso que os seus demais atributos, a justiça, por exemplo, são
sumariamente banidos. O amor do deus da Cabana, mais identificado com o
idealismo sentimental dos românticos, não pune ninguém, mesmo porque a ninguém
contempla como pecadores depravados e maus, mas sim como pessoas fracas,
ignorantes, mas que, em essência, são consideradas portadoras de um bom
coração.
Tais pessoas carecem, de acordo com
os postulados teológicos presentes na Cabana, não de uma transformação radical
da sua natureza caída, não do sobrenatural milagre do novo nascimento, mas sim
de um aprimoramento moral das suas enormes potencialidades, com as quais elas
entrarão em contato através do imenso depósito de bondade que reside dentro
delas. Em suma: a teologia exponenciada pelo deus revelado na Cabana não passa
de antropologia disfarçada.
O Deus das Escrituras Sagradas,
adornado pela beleza multíplice de indescritíveis perfeições, é portador de
variados atributos, os quais contracenam, em seu ser, de maneira rigorosamente
equânime e simétrica. No ser de Deus, os atributos não conflitam, antes se
exercitam na plenitude de admirável e estética harmonia. Assim, Deus é tão
amoroso que envia o seu único Filho para morrer numa cruz maldita a fim de
salvar pecadores indignos. Mas, de igual modo, é tão santo e justo que lançará
no inferno todos os pecadores que se mantiverem rebeldes ao senhorio de Cristo
em suas vidas, todos os que persistirem numa vida de amor à iniqüidade.
O deus da Cabana, estribado apenas
numa flácida e complacente concepção de amor, não passa de uma desfigurada caricatura
do Deus único, vivo e verdadeiro da Bíblia Sagrada cujo amor é glorioso,
exigente e inteiramente conectado com a inexcedível retidão e santidade do seu
puríssimo caráter. O deus da Cabana fala ao homem completamente fora e à
revelia da Palavra que Ele mesmo inspirou pelo seu Santo Espírito, dando
margens a que a experiência subjetiva de cada pessoa se sobreponha ao caráter
normativo das Escrituras Sagradas, regra única de fé e de prática da igreja do
Senhor Jesus Cristo.
A espiritualidade dita pós-moderna,
dentro e fora dos arraiais evangélicos, tem priorizado, sobejamente, o
subjetivismo de experiências místicas, valorizadoras mais dos sentimentos e das
emoções do que aquilo que Deus afirma em sua Palavra. Não
é outra a razão pela qual tanto se tem desprestigiado a doutrina bíblica em
nossos dias, como se ela fosse um óbice a uma vida espiritual mais abundante.
Há quem diga, pretextando sabedoria,
que devemos pregar a Cristo, e não doutrina, como se a pessoa de Cristo e a
doutrina de Cristo não fossem faces inseparáveis de uma mesma e indistinguível
verdade. O Deus da Cabana, convém reiterar, embora aqui e acolá cite as
Escrituras Sagradas, o faz de modo aleatório, assistemático, ignorando o
caráter coeso e ordenado de toda a Revelação bíblica.
O deus da Cabana é assumidamente
proponente de uma salvação universalista, a qual, no final da história,
alcançará a todos os homens, independentemente de eles terem crido em Cristo ou
não. O deus da Cabana tem os seus escolhidos espalhados por todas as tradições
religiosas do mundo, pouco importando se nelas Cristo é o centro norteador da
fé ou não. O deus da Cabana é o paizão celestial que arranjará um lugarzinho no
céu para todas as pessoas, sem que seja necessário que elas se arrependam dos
seus pecados e depositem a sua confiança única e exclusivamente em Cristo Jesus. O
deus da Cabana, como se pode ver, tem pouco ou nenhum compromisso com as
Escrituras Sagradas.
Estamos, pois, diante de um outro
deus e, consequentemente, de um outro evangelho, inteiramente distinto daquele
que encontramos nos sacrossantas páginas da Palavra de Deus. Além de todos
esses desvios doutrinários, A Cabana ainda apresenta uma estranha concepção
acerca da encarnação de Jesus Cristo, sugerindo que a humanidade do Verbo de
Deus foi compartilhada pelo Pai e pelo Espírito Santo, contrariando,
ostensivamente, o que sobre esse ponto teológico é ensinado pela Palavra de
Deus.
A bizarra trindade manifestada no
livro, A Cabana, em muito se aproxima de uma concepção triteísta de Deus, como se a trindade fosse composta por três
deuses, e não por um só Deus que subsiste eternamente em três gloriosas
pessoas. A Cabana parece, de igual modo, sugerir que, na cruz do calvário, o
Pai experimenta o sofrimento, ideia absolutamente estranha às Escrituras
Sagradas, dado que é o Senhor Jesus Cristo quem sorve, até a última gota, o
cálice da pavorosa ira de Deus, a fim de com o seu sacrifício redimir do poder
da morte, do pecado e do diabo todos aqueles a quem o Pai, antes da fundação do
mundo, escolheu para serem herdeiros de uma eterna e perfeita salvação.
Enquanto o Deus das Escrituras
Sagradas “é fogo consumidor” “e habita em luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu
nem pode ver” (Hebreus 12.29 e II Timóteo 6.16), e que, por isso mesmo,
exige temor, solenidade e reverência de quem dEle se aproxima, o deus da Cabana
é bonachão e praticante de uma camaradagem que roça a frivolidade.
Decididamente, para quem tem um
mínimo de conhecimento da Palavra de Deus e, mais do que isso, se submete,
irreservadamente, à sua autoridade, não é possível considerar o romance, A
Cabana, uma bênção. Não pode ser uma bênção o que, de forma gritante, se
desarmoniza com a Palavra de Deus. Não pode ser uma bênção o que ensina algo
que não tem a chancela das Escrituras Sagradas. Não pode ser uma bênção o que
fere de morte o coração inviolável do evangelho.
O impressionante sucesso do livro, A
Cabana, no meio evangélico, é uma prova cabal e indesmentível do quanto nós,
igreja do Senhor Jesus Cristo, carecemos de um urgente retorno à Palavra de
Deus, ao ensino puro e não adulterado de todo o conselho de Deus.
Nunca a advertência endereçada pelo
apóstolo Paulo à comunidade de Corinto foi tão superlativamente atual: “Mas temo que, assim como a serpente enganou
a Eva com astúcia, também a vossa mente seja de alguma forma seduzida e se
afaste da simplicidade e pureza que há em Cristo” (II Coríntios 11.3). Que
Deus nos dê graça e discernimento para, em meio à babel doutrinária dos nossos
dias, sabermos separar a boa doutrina, que edifica e fortalece a nossa fé, do
falso ensinamento, que perverte e, conforme a contundente afirmação paulina, “corrói como câncer” (II Coríntios
2.17).
Continuemos, pois, fiéis ao Deus das
Escrituras Sagradas, o qual é santo, bom, amoroso, soberano e senhor sobre
todas as coisas, e não nos deixemos embaraçar por caricaturas tão toscas como a
que foi, antibiblicamente, esculpida pela ficção teológica construída por
William P. Young. Que sejamos, sempre, como os crentes de Beréia, que cotejam o
que ouvem com o que está ensinado nas Escrituras Sagradas. SOLI DEO GLORIA NUNC
ET SEMPER.
JOSÉ
MÁRIO DA SILVA
PRESBÍTERO
Incontestável este artigo.Ao Deus único e verdadeiro seja toda a glória para todo o sempre e sejam envergonhados todos os inimigos de Deus, falsos profetas, deturpadores da Palavra.Que sejam esclarecidos todos os que realmente querem continuar honrando e servindo ao Senhor.Deus continue lhe usando irmão e que muitos possam ter acesso a este conteúdo.Amém.
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